“Grazing”: como o hábito de “beliscar” a comida pode afetar a saúde mental

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Se você pensar em como foi seu dia ontem, pode se lembrar de algum momento em que interrompeu o que estava fazendo para “beliscar” uma comidinha — seja um pedaço de chocolate, um biscoito, uma porção de castanhas ou até mesmo uma fruta. Esse é um comportamento comum e rotineiro, chamado em inglês de grazing, mas que pode indicar um risco à saúde quando se torna repetitivo e afeta seu controle sobre ele.

O que é grazing?

Em tradução livre do inglês, o termo significa “pastando”. O fenômeno ainda é pouco estudado no Brasil e sua definição foi atualizada recentemente. Trata-se da ingestão de pequenas quantidades de comida de forma repetitiva e não planejada, sem ser uma resposta ao estímulo de fome, com algum nível de perda de controle. É diferente da compulsão,caracterizada pelo consumo de uma quantidade grande de alimentos (como uma pizza inteira de uma vez), numa ação única e não repetida.

Quais são as principais características?

O hábito de “beliscar” várias vezes por dia nem sempre configura um comportamento prejudicial. A identificação do grazing tem mais a ver com o nível da perda de controle com aquela ação do que com a quantidade de vezes em que a pessoa “beliscou” algum alimento. 

Isso significa que o indivíduo pode ter “beliscado” cinco vezes ao dia, mas com total controle. Ao mesmo tempo, pode ter feito isso menos vezes, com perda de controle desde a primeira vez.

Quando se torna um problema?

Esse comportamento se torna um problema quanto mais ele estiver associado à perda de controle – daí a importância de existir ferramentas para identificá-lo o quanto antes. Ao perceber que não consegue parar aquele comportamento, isso indica perda de controle, e esse seria o momento ideal de procurar ajuda especializada.

Como identificá-lo?

Em geral, o grazing está associado ao momento do dia em que a pessoa busca algum tipo de relaxamento ou alívio na comida para compensar certa situação. Saber identificar esse comportamento pode ajudar na prevenção de outros transtornos associados a problemas psicológicos e alimentares, entre eles, a compulsão.

Como é feito o diagnóstico?

Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta de rastreio do grazing por meio de uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O instrumento não faz diagnóstico, mas é capaz de identificar sinais problemáticos desse comportamento e indicar a necessidade de encaminhamento para uma avaliação clínica, a fim de que o caso seja avaliado adequadamente. 

Quem está em risco?

Para desenvolver a ferramenta de rastreio, a pesquisa brasileira investigou e avaliou a manifestação do grazing em uma amostra de 823 pessoas – sendo 542 delas com peso normal e 281 com sobrepeso ou obesidade. Foram avaliados 12 itens que identificam o comportamento dividido em duas subescalas: o grazing repetitivo, que não é tão prejudicial porque é associado ao nível mais baixo de desregramento da alimentação, e o grazing compulsivo, que de fato prejudica a saúde por estar mais associado ao descontrole. 

Os resultados apontaram que o grazing compulsivo apareceu de forma mais significativa na amostra de pessoas com obesidade. Além disso, os resultados corroboram estudos internacionais e confirmam que o ato compulsivo está mais associado a transtornos mentais, especialmente ansiedade, depressão e estresse.

Alívio de sintomas

Outra conclusão do trabalho é que o grazing funciona como um mecanismo de regulação emocional – ele é praticado em busca de alívio de outros sintomas (como depressão, estresse e ansiedade), sendo que o estresse aparece como mediador na manifestação desse comportamento.

Isso explica a correlação com os sintomas de estresse e ansiedade, associado a níveis mais altos de peso. Não é possível afirmar que o estresse causa o grazing, mas ele tem alta relevância na interferência desse comportamento.

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