O que é ser neurodivergente? Saiba quais transtornos compõem o conceito

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Nem todo cérebro humano segue o mesmo padrão de funcionamento. Em um mesmo ambiente, pode haver pessoas com muita facilidade para focar na realização de uma tarefa e outras que precisam de suporte para participar da atividade. 

A constatação científica dessas diferentes formas de pensar e agir deu origem a um conceito conhecido como “neurodiversidade”. Mais do que um termo técnico, trata-se de uma proposta relativamente nova de como compreender os transtornos de aprendizagem, comportamento e comunicação. 

A neurodivergência pretende desconstruir a ideia de que indivíduos neuroatípicos (com funcionamento cognitivo fora do padrão) estejam doentes ou não sejam capazes de viver plenamente. Por vezes, essa percepção está tão enraizada no senso comum que atitudes preconceituosas são naturalizadas.

Por conta dos estigmas associados a dificuldades de interação social, comunicação não convencional, hiperfoco em determinados temas ou reações sensoriais intensas, muitos ainda relatam sofrer bullying e discriminação. 

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E o impacto dessa intolerância pode ser muito profundo. Em alguns casos, a exclusão social leva a pessoa a tentar mascarar seus traços comportamentais naturais para se adaptar aos demais – um fenômeno conhecido como “efeito camaleão”, que é mais comum na idade adulta. Embora possa oferecer uma espécie de “proteção” contra comentários e olhares maldosos, a atitude frequentemente leva ao esgotamento emocional e à perda de identidade.

Exemplos de neurodivergências

Conheça algumas condições neurocognitivas atípicas consideradas neurodivergências:

  1. Transtorno do Espectro Autista (TEA): afeta comunicação, interação social e comportamento, podendo incluir hiperfoco, interesses restritos e sensibilidade sensorial;
  2. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): é caracterizado por desatenção, impulsividade e hiperatividade, com grande possibilidade de afetar o rendimento escolar e a organização;
  3. Transtorno Afetivo Bipolar (TAB): causa oscilações intensas de humor, alternando períodos de euforia (mania) com episódios de depressão profunda;
  4. Transtorno de Personalidade Limite (Borderline): marcado por instabilidade emocional intensa, medo de abandono, impulsividade e relacionamentos instáveis, com emoções que mudam rapidamente;
  5. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): envolve pensamentos obsessivos (repetitivos e indesejados) e comportamentos compulsivos (rituais para aliviar a ansiedade causada pelas obsessões);
  6. Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD): desempenho intelectual ou criativo muito acima da média, podendo apresentar grande facilidade de aprendizado, hiperfoco e sensibilidade emocional;
  7. Dislexia: dificuldade na identificação de palavras, fluência e compreensão de textos escritos;
  8. Discalculia: relacionado a obstáculos na compreensão de números, cálculos, sequências e lógica numérica.

Sinais de atenção

Cada pessoa manifesta a neurodivergência de maneira singular. No entanto, há alguns comportamentos que podem servir como “sinais” para pais e responsáveis suspeitarem de algum transtorno na criança. Eles incluem:

  • Realizar movimentos repetitivos (balançar o corpo ou reproduzir barulhos);
  • Apresentar rigidez comportamental (resistência a mudanças na rotina);
  • Ter reações exacerbadas a estímulos sensoriais (luz, som ou toque);
  • Manter interesses restritos e hiperfoco (saber muito sobre um assunto específico e falar sobre ele por horas a fio).

Diagnóstico 

O diagnóstico de uma neurodivergência não pode ser feito por exames laboratoriais ou de imagem. Trata-se de um processo clínico complexo e demorado, que exige escuta atenta, observação contínua e análise contextual. 

A avaliação passa por entrevistas com o paciente e seus familiares (anamnese) e observação do comportamento em situações diversas. Entre os profissionais aptos a conduzir esse processo estão psicólogos, psiquiatras, neurologistas e pediatras especializados no ramo da pediatria do desenvolvimento e comportamento.

Os números mostram uma tendência clara de crescimento nos diagnósticos das neurodiversidades. De acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, uma em cada seis crianças foi diagnosticada com alguma deficiência de desenvolvimento entre 2009 e 2017.

Especificamente em relação ao TEA, o CDC indica que a prevalência era equivalente a um caso a cada 31 pessoas em 2022. Isso representa um salto na comparação com 2000, quando a proporção era de um diagnóstico para cada 150 indivíduos.

Mas isso não significa, necessariamente, um aumento real nos casos. Na verdade, é mais provável que esse crescimento no número de diagnósticos seja reflexo do maior conhecimento e sensibilidade dos profissionais de saúde em identificar essas condições nos pacientes, além do aumento da conscientização pública sobre esses transtornos, que levam mais pessoas a buscarem suporte médico.

Riscos dos “autodiagnósticos”

Com a popularização do tema na internet, viu-se aumentar um fenômeno de “autodiagnóstico”. Basicamente, as pessoas passaram a assistir a vídeos nas redes sociais sobre esses transtornos e identificar em si os “sintomas”, sem a devida avaliação clínica. 

Por mais que esses conteúdos sejam legítimos para ampliar a discussão sobre o assunto ou mesmo lançar luz sobre algumas suspeitas, é muito importante salientar que os “autodiagnósticos” não têm credibilidade médica, pois só é possível identificar a presença e o tipo de uma neurodivergência a partir de investigação profunda e detalhada, conduzida por um especialista.

Mais qualidade de vida

O tratamento da neurodivergência não busca “readequar” o padrão de funcionamento do cérebro, mas, sim, ajudá-lo a desenvolver habilidades que melhorem sua qualidade de vida. 

Esse objetivo pode ser atingido por meio de diferentes abordagens:

  • Terapia comportamental e ocupacional, para lidar com dificuldades práticas do cotidiano;
  • Psicoterapia, para trabalhar questões emocionais e sociais;
  • Fonoaudiologia, no caso de dificuldades de linguagem e comunicação;
  • Fisioterapia, quando há desafios motores;
  • Uso de medicação, em casos específicos como TDAH ou ansiedade.

Para crianças, quanto mais cedo o diagnóstico e início do tratamento, melhores os resultados. Há uma janela de desenvolvimento cerebral especialmente favorável na infância – e o acesso precoce à estimulação pode fazer uma enorme diferença.

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