O desenvolvimento humano não é linear, mas segue padrões que guiam o progresso motor, cognitivo, sensorial e emocional desde os primeiros dias de gestação até a idade adulta. Esses ganhos de habilidades são conhecidos como marcos do desenvolvimento, e costumam ser utilizados como referência para observar se o crescimento da criança está dentro do esperado para sua faixa etária.
Desde a sustentação do pescoço aos 2 meses, passando pelas primeiras palavras por volta do primeiro aniversário, até habilidades mais complexas, como formar frases ou criar relações sociais, esses marcos são fundamentais para identificar possíveis atrasos e, assim, levantar hipóteses sobre condições neurológicas que podem afetar o desenvolvimento infantojuvenil.
Podcast “O que te trouxe aqui?” | Temporada 2, Episódio 10
O que é neurodivergência?
A palavra “neurodivergência” define indivíduos cujo funcionamento cerebral difere do considerado neurotípico. Isso pode incluir uma ampla gama de quadros, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a dislexia e a dispraxia, bem como outras dificuldades de aprendizagem ou de processamento sensorial.
No passado, muitos desses quadros passavam despercebidos. Crianças com TDAH, por exemplo, podiam ser vistas apenas como “bagunceiras”, “preguiçosas” ou “desobedientes”. Na verdade, enfrentam desafios reais em manter a atenção, regular seus impulsos ou organizar suas tarefas.
Hoje, graças aos avanços da ciência e à maior disseminação de informação, essas características são cada vez mais reconhecidas como sinais neurológicos legítimos, e isso tem impacto direto no número de diagnósticos. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, aponta que uma em cada 36 crianças está dentro do espectro autista – um aumento de 417% em comparação à prevalência do transtorno em 2000.
Importância do diagnóstico precoce
É importante destacar que o processo de neurodesenvolvimento não é igual para todos. Crianças podem variar em seus ritmos sem que isso necessariamente indique um transtorno. Ainda assim, quando os atrasos são persistentes ou afetam diferentes áreas do desenvolvimento ao mesmo tempo, é hora de acender o sinal de alerta.
Nesse sentido, o diagnóstico precoce é o maior aliado das crianças neurodivergentes. Quanto antes forem iniciadas as terapias de estimulação (como sessões de fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia e psicopedagogia), maiores são as chances de a criança desenvolver autonomia e habilidade comunicativa, por exemplo.
Mas como identificar os sinais das neurodivergências? Algumas práticas e atitudes de pais e responsáveis fazem toda a diferença. Conheça cinco delas:
1. Estimular desde o nascimento
O cérebro do bebê é altamente moldável por experiências e estímulos. Assim, as interações cotidianas são oportunidades para incentivo sensorial, motor e emocional. A ausência dessas interações pode contribuir para atrasos.
O que fazer na prática:
- Conversar com o bebê desde os primeiros dias de vida. Isso o ajudará a desenvolver linguagem e criar vínculo;
- Realizar o “tummy time” (tempo de bruços), pois fortalece os músculos de pescoço, costas e ombros, preparando o bebê para engatinhar e sentar;
- Apresentar objetos de diferentes texturas, tamanhos e cores, incentivando a manipulação e a curiosidade;
- Propor pequenas brincadeiras que envolvam troca de olhar, sons e movimentos, mesmo antes dos 6 meses;
- Nomear objetos, pessoas e emoções, ajudando o bebê a desenvolver consciência de si e do ambiente.
2. Atenção aos comportamentos
A observação atenta e sem julgar o comportamento da criança é uma das ferramentas mais poderosas para o diagnóstico precoce de um transtorno. Não é necessário ser um especialista para notar quando algo parece fora do esperado. Alguns sinais de alerta nos pequenos incluem:
- Evitar contato visual ou responder pouco a estímulos sociais (como o chamado pelo nome);
- Preferência por interagir com objetos a pessoas;
- Se envolver em brincadeiras repetitivas e sem função simbólica;
- Apresentar atrasos evidentes na fala, como não balbuciar aos 12 meses ou não formar frases simples aos 2 anos;
- Ter reações extremas a sons, luzes, texturas ou alimentos, como recusar roupas com etiquetas, ter seletividade alimentar rígida ou tapar os ouvidos com frequência;
- Apego excessivo à rotina, com forte resistência a mudanças no ambiente ou na sequência de atividades.
3. Evitar o uso excessivo de telas
O uso prolongado de telas (celulares, tablets, TVs,etc.) tem se mostrado um fator preocupante para o desenvolvimento infantil. Os estímulos visuais rápidos, os sons intensos e a passividade exigida da criança podem atrasar a fala, a atenção, a socialização e o autocontrole emocional.
Isso acontece porque as telas substituem interações reais, que são o principal motor do desenvolvimento nos primeiros anos. Elas hiperestimulam o cérebro, dificultando a capacidade da criança de lidar com situações normais da vida real, que são mais lentas e menos coloridas.
4. Não recorrer à internet para diagnósticos
A internet é uma ferramenta poderosa de informação, mas não substitui o olhar clínico e qualificado dos profissionais de saúde. Pais preocupados com o comportamento dos filhos, muitas vezes, buscam respostas em vídeos ou nas redes sociais, o que pode gerar ansiedade desnecessária, “diagnósticos” errôneos ou espera por melhora espontânea.
Avaliações online desconsideram o contexto familiar, social e clínico dos indivíduos. O atraso no diagnóstico pode adiar terapias que seriam essenciais nos primeiros anos. Por isso, ao menor sinal de dúvida, a recomendação é procurar um neuropediatra com experiência em desenvolvimento infantil.
5. Confiar no tratamento indicado
O processo de diagnóstico das neurodivergências pode ser demorado e muitas vezes envolve observação longitudinal, aplicação de testes, entrevistas e exclusão de outras causas. Mas isso não significa que a família precisa esperar para começar as intervenções.
Com o devido amparo profissional, já é possível iniciar terapias de estimulação, observar as respostas da criança e adaptar o plano de tratamento conforme sua evolução. Intervenções precoces podem transformar o prognóstico da criança.
Além do acompanhamento profissional, práticas de vida saudável contribuem para o neurodesenvolvimento e o sucesso do tratamento. Isso inclui ter sono regulado, manter uma dieta equilibrada, praticar atividades físicas regularmente, garantir hidratação adequada e respeitar o uso correto de medicamentos prescritos, quando indicado.