Por Arthur Pires*
No Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo (2 de abril), países do mundo inteiro promovem ações com o intuito de difundir informações sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), diminuindo o preconceito e o estigma, e reforçando a importância do diagnóstico e tratamento precoce.
Para conhecer mais sobre o assunto, confira a entrevista com Erasmo Casella, neuropediatra do Hospital Israelita Albert Einstein e chefe de neurologia infantil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).
O que é o TEA?
O Transtorno do Espectro Autista, ou TEA, é uma condição que, na maioria das vezes, se manifesta na infância e se caracteriza por uma dificuldade na comunicação verbal e não verbal. Segundo Casella, a criança com o diagnóstico pode desenvolver a fala, mas nem sempre consegue fazer uma conversação de “ida e volta” adequada para a idade.
Além de prejudicar as interações sociais, a condição também é caracterizada por um padrão de comportamento, no qual a criança mantém interesses ou atividades restritas e repetitivas. De acordo com o especialista, um exemplo de atividade repetitiva é quando a criança, especialmente aquela na primeira infância, enfileira os carrinhos e outros brinquedos de forma constante.
No caso das crianças mais velhas, elas podem manifestar um interesse específico. “É aquela criança que sabe tudo sobre a Segunda Guerra, ou todas as pontes de metrô de todas as capitais da Europa, todos os filmes de todas as épocas etc. Estes são exemplos de interesses restritos”, exemplifica Casella.
Outro comportamento comum nas crianças com dificuldades de comunicação pode ser visto nas brincadeiras coletivas. Segundo o especialista, ao invés de ela brincar com os outros, compartilhando a experiência, elas brincam “junto” (ao lado da outra criança, por exemplo correndo para lá e para cá), sem interagir.
Sinais
Existem alguns sinais que podem levantar suspeitas sobre o TEA, e que é importante que os pais fiquem atentos para o diagnóstico precoce. Segundo Erasmo, são sinais como:
- Crianças que não batem palma, não dão tchau, dentro de um ano de idade ou um ano e meio;
- Não apontam com o indicador as coisas que querem até um ano e quatro meses;
- Não sustentam um contato visual;
- Têm atraso de fala;
- Não imitam os adultos em brincadeiras imaginárias ou em criar cenários.
“Por exemplo, o adulto coloca um brinquedo na cabeça e conta até três, e a criança não repete o gesto. Ou em brincadeiras imaginárias, como dar comida para um boneco. Ou, ainda, pegar o carrinho e fazer uma brincadeira ao invés de ficar só enfileirando”, exemplifica Casella.
Diagnóstico
De acordo com dados de 2021 do Centro de Controles e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, estima-se que uma a cada 44 crianças desenvolva o TEA. Embora o diagnóstico possa ser feito precocemente, entre um a dois anos de idade, em geral vem mais tarde. Segundo Casella, isso se deve, em alguns casos, à negação da família ou à falta de comunicação das dúvidas durante a consulta ao pediatra ou, ainda, por não ter sido possível observar sinais no consultório.
“É comum a criança com TEA chegar no consultório de pediatria e ficar chorando o tempo todo e, às vezes, o pediatra perde a oportunidade de observar os sinais de alerta que podem acontecer.” É natural crianças fazerem birra, e a criança com TEA pode fazer birra também. Mas existe e a birra e a crise, que são diferentes. A crise é intesa e é importante saber diferenciar as duas situações.
Diagnosticar precocemente a condição é importante, segundo Casella, porque o cérebro, no início da infância, tem uma maior plasticidade, e as crianças podem responder melhor às terapias.
Abordagens terapêuticas
As opções disponíveis atualmente para o cuidado do TEA envolvem abordagens diferentes. Uma delas é a Análise Aplicada do Comportamento, vertente da psicologia comportamental adaptada ao cenário do autismo, que visa desenvolver habilidades sociais que sejam relevantes, e reduzir repertórios considerados inadequados, e é o tipo de tratamento com mais evidências científicas.
Em casos específicos, pode ser indicado o uso de medicamentos, mas não para todos, segundo Casella. “Remédios podem ser usados em crianças que são muito agressivas, que não dormem à noite ou, ainda, que chegam aos cinco ou seis anos com um Déficit de Atenção importante, ou se têm ansiedade”, explica.
Outras terapias que podem ser indicadas são fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia. De acordo com o especialista, a abordagem é multiprofissional e pode durar a vida inteira, ou não. Isso depende do grau de funcionalidade de cada indivíduo e das modificações e evolução que cada um irá apresentar.
“Posteriormente, a criança vai precisar de uma terapia de grupo para melhorar a sociabilidade. Pode precisar, também, de uma terapia cognitivo comportamental, para orientar como estudar e como se virar em algumas situações”, explica.
Papel da família
Na tentativa de proteger a criança com TEA, a família pode prejudicar a transição para uma vida adulta mais independente, segundo Casella. Além de gerar uma dependência exagerada, algumas atitudes que poderiam ser tomadas sem a necessidade dos pais, como atravessar uma rua, vestir-se e tomar banho, não são aprendidas ou ensinadas da maneira mais adequada. “Faz parte do tratamento a família saber que ali tem uma pessoa que pode aprender bastante, e a vida inteira aprende”, argumenta.
Segundo o especialista, é importante que a criança com TEA tenha oportunidades de desenvolver a independência e a sociabilidade, para melhorar as relações coletivas. “Colocar as crianças em alguns grupos, como escoteiros, grupos de igreja, que às vezes acabam tendo menos bullying, ou de música, conforme o interesse de cada um, pode beneficiar o desenvolvimento”, detalha.
*Sob orientação da jornalista Amanda Milléo.