A dependência de álcool é uma condição complexa que vai muito além do consumo excessivo de bebidas. Trata-se de uma doença crônica que envolve compulsão, dificuldade em controlar a ingestão e a persistência de comportamentos destrutivos. Esse transtorno pode impactar gravemente a saúde física e mental de uma pessoa, além de afetar suas relações sociais e profissionais.
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), mais de 85 mil mortes ao ano estão diretamente relacionadas ao uso de álcool. Compreender essa condição é fundamental para lidar com seus desafios e buscar formas eficazes de tratamento e prevenção. O primeiro passo nesse processo é entender que o vício é uma doença – e deve ser tratado como tal.
Justamente por isso, termos como “alcoolismo”, “alcoólatra” e “alcoolista” têm caído em desuso. Profissionais da saúde defendem que as terminologias corretas são “transtorno por uso de álcool” ou “dependência de álcool”. Além de não carregar estigma ou preconceito, essas expressões reconhecem o problema como uma condição crônica e tratável.
Vídeo: Dependência de álcool: o que é, impacto na saúde e efeitos do consumo
Causas e fatores de risco
O transtorno por uso de álcool é uma condição multifatorial. Causas fisiológicas, psicológicas e sociais podem interagir de maneira complexa no desenvolvimento do problema. Entenda cada uma delas:
Causas fisiológicas
Fatores genéticos desempenham um papel significativo e podem aumentar a vulnerabilidade de algumas pessoas à doença. Da mesma forma, alterações neuroquímicas no cérebro, especialmente as relacionadas aos sistemas de recompensa e controle inibitório, contribuem para o desenvolvimento do transtorno.
Causas psicológicas
Traumas emocionais, transtornos de ansiedade e depressão estão fortemente associados ao uso problemático de álcool. Pessoas que enfrentam dificuldades em lidar com o estresse ou que utilizam as bebidas como forma de “automedicação” para problemas emocionais podem estar em maior risco.
Causas sociais
O ambiente social e cultural é outro fator determinante. O incentivo ao consumo de álcool, bem como seu fácil acesso, podem aumentar a probabilidade de desenvolvimento da dependência.
Sintomas
A dependência de álcool se manifesta por meio de uma série de sinais e sintomas que podem variar em intensidade e frequência. Entre os sinais comportamentais mais claros estão:
- Incapacidade de controlar o consumo de bebidas;
- Tentativas repetidas e malsucedidas de reduzir ou interromper o uso de álcool;
- Aumento do tempo dedicado a atividades relacionadas a adquirir, consumir e se recuperar dos efeitos da embriaguez.
Além disso, o consumo prolongado de álcool pode levar a danos significativos ao fígado, que podem se manifestar por meio de sintomas como dor abdominal, icterícia (amarelamento da pele e dos olhos), fadiga extrema e perda de peso. Nos casos mais graves, o transtorno ainda pode levar a quadros de esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), hepatite alcoólica e cirrose.
Outros sintomas incluem a necessidade de quantidades cada vez maiores de álcool para alcançar os mesmos efeitos e a ocorrência de sintomas de abstinência, como tremores, sudorese, náuseas e ansiedade quando o consumo é interrompido ou reduzido. Alterações no humor, como irritabilidade, depressão e comportamento impulsivo, também são comuns.
Por vezes, a pessoa pode começar a se isolar socialmente e passar a beber sozinha. A pessoa pode faltar ao trabalho para beber, negligenciar responsabilidades, como o cuidado dos filhos, e se distanciar de amigos e familiares que critiquem seu modo de beber.
Vídeo: Dependência de álcool: diagnóstico e impactos na saúde
Diagnóstico
Não há um exame único que possa diagnosticar o transtorno por uso de álcool. Esse processo envolve uma avaliação cuidadosa, feita por psiquiatras e outros profissionais da saúde, que se baseiam em critérios estabelecidos por manuais clínicos.
O diagnóstico começa com uma entrevista detalhada, na qual o profissional faz perguntas sobre os hábitos de consumo de álcool, o histórico familiar de transtornos relacionados à substância e as consequências do uso.
Considerar o impacto do consumo alcoólico em seu entorno também é essencial, uma vez que a pessoa afetada pode não perceber plenamente o alcance de suas ações. Por isso, é comum incluir na avaliação a perspectiva de acompanhantes ou familiares próximos.
Além disso, exames físicos que detectem disfunções hepáticas, como a cirrose, e avaliações cognitivas são importantes para um diagnóstico mais completo. A confirmação ocorre quando a pessoa atende a um número específico de critérios, como a perda de controle sobre o consumo, o aumento da tolerância, a presença de sintomas de abstinência e o impacto negativo do álcool em diversas áreas da vida.
Tratamento
No tratamento, é essencial adotar uma abordagem multidisciplinar e combinar diferentes métodos para atender a necessidades individuais. A primeira etapa geralmente envolve a desintoxicação; em seguida, o tratamento pode incluir terapias farmacológicas, como o uso de medicamentos que ajudam a reduzir o desejo de beber ou que provocam reações adversas ao consumo de álcool.
Abordagens psicológicas, como sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), podem ajudar os pacientes a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento que contribuem para o uso problemático da substância. Essas consultas também oferecem estratégias para lidar com gatilhos e situações de risco.
Outro aspecto fundamental do tratamento é o suporte social. Grupos de apoio como os Alcoólicos Anônimos (AA) oferecem um ambiente onde as pessoas podem compartilhar experiências, receber encorajamento e aprender com aqueles que estão em recuperação.
A combinação dessas abordagens, ajustada às necessidades do paciente, aumenta as chances de sucesso na recuperação e na manutenção da sobriedade a longo prazo.
Prevenção
Prevenir o transtorno por uso de álcool é essencial para reduzir seus impactos negativos na saúde. Estratégias eficazes envolvem a educação sobre os riscos associados ao consumo excessivo desde a infância. Programas escolares que abordam o uso de álcool e suas consequências ajudam a formar uma base sólida para a prevenção.
Além disso, a família desempenha um papel fundamental. Criar um ambiente familiar saudável, com comunicação aberta e apoio emocional, pode reduzir a probabilidade de uso abusivo de álcool pelos jovens. Atividades e interesses alternativos, como esportes e hobbies, também são eficazes na prevenção, oferecendo maneiras construtivas de lidar com o estresse.
Políticas públicas, como restrições à venda de bebidas alcoólicas e campanhas de conscientização, são essenciais para reduzir o consumo geral e promover hábitos responsáveis. As estratégias de prevenção também devem incluir apoio à identificação precoce e ao tratamento de problemas relacionados ao álcool.
Revisão técnica: Erica Maria Zeni, médica da Unidade de Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein. Possui graduação e residência em Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e residência em Medicina Interna pela Universidade de São Paulo (USP). Também possui pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Latinoamérica Medicina Paliativa, em Buenos Aires, Argentina.