No Brasil, 12 milhões de pessoas convivem com diabetes, segundo dados de 2021 compartilhados pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Há, no entanto, diferentes tipos da doença, com sintomas, tratamentos e cuidados próprios.
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A grande maioria (90%) tem o tipo 2, que exige, além de medicações específicas, mudanças nos hábitos de vida. O uso da insulina é mais prevalente nos pacientes com o tipo 1 da doença, que representa entre 5% a 10% dos diagnosticados, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes. Para essas pessoas, a descoberta do hormônio há 100 anos foi revolucionária, e permitiu a sobrevivência diante de uma doença, até então, fatal.
Neste Dia Mundial do Diabetes, lembrado todo 14 de novembro, descubra os diferentes tipos da doença, os sinais de alerta, exames para o diagnóstico e os respectivos tratamentos, de acordo com informações dos especialistas do Hospital Albert Einstein: Adriana Martins Fernandes, endocrinologista do Programa de Diabetes e Gustavo Daher, endocrinologista e coordenador médico de Saúde Populacional.
Há quantos tipos de diabetes?
Há diferentes versões da doença, mas as principais e mais prevalentes são duas: o diabetes tipo 1 e o tipo 2.
No tipo 1, as células responsáveis pela produção da insulina no pâncreas são atacadas pelo próprio sistema imunológico, e a produção do hormônio é reduzida ou paralisada. O papel da insulina é ajudar as células a usarem o açúcar (glicose) — que vem dos alimentos consumidos — como fonte de energia. Sem insulina, a glicose em circulação no sangue (chamada também de glicemia) permanece em níveis altos, prejudicando outros sistemas do corpo.
O problema apresentado pelo tipo 2 é diferente: o pâncreas não deixa de funcionar, mas algumas alterações no organismo prejudicam o trabalho da insulina. Pessoas com hipertensão, colesterol alterado e excesso de gordura abdominal, por exemplo, têm mais risco de desenvolver a chamada resistência à insulina. Se antes o corpo precisava de uma determinada quantidade de hormônio para promover o consumo adequado da glicose pelas células, nos pacientes com resistência insulínica, o organismo passa a exigir uma quantidade bem maior.
Há ainda diabetes gestacional, que é um tipo à parte. Neste caso, a placenta produz o hormônio lactoplacentário, que aumenta o risco da resistência à insulina nesse período. Embora todas as gestantes desenvolvam esse hormônio, o surgimento do diabetes não é regra. Por isso a importância de ser testada pelo menos duas vezes durante o pré-natal: no início do acompanhamento e entre a 24ª e 28ª semana de gestação, quando a placenta já está maior, e produzindo mais o hormônio que poderia induzir à resistência.
Leia mais sobre o pré-diabetes.
Como eu sei se tenho o tipo 1 ou 2?
Os sintomas se diferenciam entre os tipos de diabetes, assim como o perfil do paciente. Em geral, o diabético tipo 1 recebe o diagnóstico na infância, adolescência ou mesmo no início da fase adulta. O principal sinal de alerta é o surgimento de sintomas, como rápida perda de peso, apesar de um aumento no apetite, excesso de sede e aumento do volume urinário, além do crescimento nas taxas de açúcar no sangue.
No caso do tipo 2, a prevalência é maior entre adultos e idosos com comorbidades associadas, em especial a síndrome metabólica, que inclui alterações nos níveis de colesterol, hipertensão e o aumento na circunferência abdominal, que favorece a resistência à insulina.
Isso não impede que pessoas mais jovens recebam o diagnóstico do tipo 2, ou mesmo mais velhos com o tipo 1. Gustavo Daher, endocrinologista, cita o exemplo da ex-primeira-ministra do Reino Unido Theresa May, que foi diagnosticada com quase 60 anos com o tipo 1 da doença.
Crianças e adolescentes diagnosticados com o tipo 2 de diabetes chamam atenção para um problema: a obesidade infantil. “Temos uma alimentação mais baseada em ultraprocessados, e há uma menor mobilidade da população. Diagnóstico do tipo 2 em crianças está associado ao perfil metabólico”, explica Adriana Fernandes, endocrinologista.
Quais são os sintomas no diabético tipo 1?
Como no tipo 1 o pâncreas está com dificuldade em produzir a insulina, há maior circulação do açúcar na corrente sanguínea, gerando a hiperglicemia. Ao filtrar esse açúcar e mandá-lo para fora do corpo, o volume urinário aumenta devido à osmose (que “puxa” mais água para dissolver tanto açúcar), e a pessoa tem mais vontade de fazer xixi.
“Ela perde muita água e desidrata. Se tiver uma capacidade física adequada, consegue repor bebendo. Por isso aumenta a ingestão de líquidos, que é outro sintoma. Ela não urina mais porque bebeu mais água, mas bebe porque urinou demais”, explica Adriana Fernandes, endocrinologista.
Outro sintoma é o aumento do apetite. Como a glicose que é ingerida não está sendo aproveitada, o paciente permanece com fome apesar de ter se alimentado. “Ela come, mas essa glicose não entra na célula para virar energia. É como se estivesse passando fome em meio à fartura. Ao não usar a energia que consome, perde peso”, destaca a especialista.
Fernandes lembra que os pacientes também podem ter queixas mais inespecíficas, como fraqueza, indisposição, alteração e turvação visual.
Quais são os sintomas no diabético tipo 2?
Os mesmos sintomas do tipo 1 podem surgir entre os diabéticos tipo 2 — visto que a hiperglicemia está presente nesse grupo também — mas o perfil do paciente é diferente. Além de ocorrer mais em adultos e idosos, são pessoas com um conjunto de fatores de risco, chamado de síndrome metabólica:
- Alteração no perfil do colesterol;
- Risco aumentado de hipertensão;
- Aumento da circunferência abdominal;
- Níveis alterados de glicemia.
Histórico familiar da doença também deve chamar atenção e, embora a idade seja fator de risco, há cada vez mais diagnósticos do tipo 2 em crianças e adolescentes.
Como se trata de uma doença silenciosa, o rastreamento por exames é a melhor forma de diagnosticar precocemente. “A partir dos 40 anos, todo mundo deveria fazer um exame de glicemia em jejum pelo menos a cada três anos”, destaca a endocrinologista Adriana Fernandes.
Como é feito o diagnóstico do tipo 1 e do tipo 2?
Para o diagnóstico de diabetes tipo 1, além dos sinais clínicos, os especialistas solicitam um exame de dosagem da insulina e dos autoanticorpos, pois esta versão da doença é considerada autoimune (quando o sistema imune ataca o próprio organismo).
Já para o tipo 2, é solicitada uma análise da glicemia em jejum, feita a partir de um exame de sangue comum. De acordo com Gustavo Daher, endocrinologista, é importante não confundir com teste de glicemia capilar, que avalia o açúcar em circulação no sangue a partir de uma picada na ponta do dedo. Este teste pode indicar um problema, mas não dará o diagnóstico final.
O exame de curva glicêmica – quando o paciente precisa ingerir uma bebida açucarada e fazer a coleta da amostra de sangue na sequência – é usado principalmente para a confirmação do diagnóstico.
“Para o diagnóstico, é preciso dois exames alterados. Podem ser dois do mesmo tipo, ou de tipos diferentes”, explica o endocrinologista.
Quais são os níveis de referência?
Glicemia em jejum:
Menor que 100 mg/dL: normal;
Entre 100 e até 125 mg/dL: alterada, ou possível pré-diabetes;
Acima de 126 mg/dL: potencialmente diabéticos;
Hemoglobina glicada (exame de controle do diabetes):
Menor que 5,7%: normal;
Entre 5,7% e 6,4%: risco aumentado para diabetes ou pré-diabetes;
Maior ou igual a 6,5%: diabetes para diagnóstico.
Curva glicêmica:
Duas horas após ingerir a solução de glicose:
Menor que 140: normal;
Entre 140 a 199: intolerância à glicose, ou mais um componente para a pré-diabetes;
Igual ou acima de 200: diabetes.
Qual é o tratamento do diabetes tipo 1?
Feito o diagnóstico do tipo 1, o paciente deverá repor a insulina faltante. Isso porque o organismo não é mais capaz de produzir o hormônio em quantidades suficientes.
Ao longo dos últimos 100 anos, o tratamento com a insulina evoluiu com um objetivo: imitar perfeitamente a função do pâncreas. As versões do hormônio disponíveis atualmente no mercado oferecem ações rápidas, ultrarrápidas, intermediárias, lentas e ultralentas.
Segundo Adriana Fernandes, endocrinologista, o tratamento, em geral, inclui a mescla de pelo menos dois diferentes tipos. “Um para segurar nos momentos que o paciente não se alimenta e outro para aplicar imediatamente antes da alimentação.”
Para saber exatamente quanto de insulina aplicar, segundo Fernandes, o paciente precisa ter conhecimento sobre o funcionamento do próprio corpo. “Um dia você come uma maçã no café da manhã e, no outro, torradas com ovo mexido e um suco. A quantidade de carboidrato ingerido em cada uma dessas refeições muda muito. A educação do paciente com insulina [sobre o próprio organismo] é importante para ele calcular a dose de insulina que precisa”, explica a especialista.
Diabéticos tipo 1 também podem associar o tratamento com outras medicações, como os hipoglicemiantes, que vão reduzir a glicemia, mas apenas se apresentarem uma resistência insulínica, como os de tipo 2. “É exceção, e não a regra. Um paciente adolescente com diabetes tipo 1, por exemplo, que chega aos 50 anos com obesidade e resistência à insulina, esse pode usar algumas medicações. Mas não é uma troca de tratamento. Ele nunca vai ficar sem a insulina”, destaca.
Qual é o tratamento do diabetes tipo 2?
Há várias classes de medicamentos que podem ser usados no diabético tipo 2, mas o objetivo é o mesmo: reduzir a quantidade de açúcar em circulação no sangue. Esses hipoglicemiantes podem ser administrados por via oral ou subcutânea.
A insulina pode ser usada no tratamento do tipo 2, mas em casos específicos, segundo Adriana Fernandes, endocrinologista. “Quando o paciente está com uma hiperglicemia muito importante logo após o diagnóstico e o médico sabe que, naquele momento, o hipoglicemiante oral não vai dar conta, lançamos mão da insulina. Ou em diabetes de muito difícil controle. Porém, na maioria dos casos, o tratamento é com medicação oral”.
No caso de crianças e adolescentes com diagnóstico do tipo 2, algumas medicações são liberadas, como a metformina, que é uma das mais antigas no tratamento de diabetes.
Todos os pacientes têm a indicação de, além dos medicamentos, mudar os hábitos de vida. “A mudança no estilo de vida, que inclui adaptação da alimentação e atividade física, é entendida como parte do tratamento”, diz Fernandes.
A cirurgia bariátrica/metabólica é indicada para tratamento de diabetes?
O uso de técnicas cirúrgicas que melhorem os parâmetros metabólicos do paciente com diabetes ainda está sendo discutido pelos especialistas, de acordo com Gustavo Daher, endocrinologista. A princípio, se o diabetes é muito grave, de difícil controle, e a pessoa também for portadora de uma obesidade moderada e/ou severa, poderia passar pelo procedimento.
“Hoje as Sociedades têm como critério bem estabelecido que indivíduos com IMC [Índice de Massa Corporal] acima de 35 e portadores de diabetes têm benefício considerável com o procedimento. Indivíduos com IMC entre 30 e 35, e diabetes grave, também, aparentemente, teriam uma boa indicação cirúrgica. Contudo, para este último grupo ainda há uma falta de consenso e, por isso, segue em discussão na literatura científica”, explica.