O vício em apostas é uma condição psiquiátrica denominada clinicamente como “jogo patológico” ou “transtorno do jogo”. Trata-se de um problema de saúde mental reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e previsto tanto na Classificação Internacional de Doenças (CID) quanto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
Considerada um transtorno dos hábitos e dos impulsos, a condição tem como principal característica a ocorrência de episódios repetidos e frequentes de jogo, que dominam a vida da pessoa. Com isso, ela torna-se incapaz de controlar o tempo e o dinheiro gastos, mesmo em situações em que isso leva a prejuízos sociais, profissionais e familiares.
Embora esse tipo de dependência já seja documentada há décadas pelos especialistas, com a popularização das plataformas de apostas online – as famosas bets –, esse comportamento danoso ganhou nova roupagem e proporção.
Vídeo: Jogo de apostas (bets) podem viciar?
A seguir, veja cinco respostas para as principais dúvidas acerca do jogo patológico:
1. O que acontece no cérebro quando apostamos?
Estudos mostram que os jogos com recompensas variadas e feedback imediato ativam uma área do cérebro chamada sistema de recompensa. Ela envolve estruturas como o núcleo accumbens, a área tegmental ventral e o córtex pré-frontal, que atuam na liberação de dopamina.
De forma simplificada, quando esse neurotransmissor é sintetizado por quem joga, a sensação de prazer causada por ele passa a ser associada a essa atividade. Ao mesmo tempo, ocorre um aumento da atividade neural e uma aceleração de processamento de informação, com menor capacidade de juízo crítico e planejamento.
Na prática, tal alteração no cérebro reforça o hábito de apostar. E, a longo prazo, pode levar a uma situação viciante, na qual o comportamento torna-se mais frequente e difícil de controlar.
2. Os jogos são produzidos para viciar?
Sim. A indústria de jogos de azar emprega técnicas de neuromarketing e design, como músicas animadas, cores vibrantes e bonificações, pensadas cuidadosamente para aumentar o engajamento e o tempo que uma pessoa passa jogando.
Além disso, seus anúncios frequentemente apelam para emoções como excitação, aventura e escapismo, o que favorece o apelo para obter novos jogadores. Isso, aliado à atual disponibilidade desses jogos nos celulares, faz com que eles capturem cada vez mais atenção e levem a uma relação de dependência.
3. Todas as pessoas que apostam correm o risco de desenvolver dependência?
Não há como dizer com certeza a probabilidade de uma pessoa desenvolver dependência ao participar de jogos de azar. Portanto, a melhor forma de evitar esse risco é justamente não jogando.
Porém, existem alguns fatores de risco associados ao comportamento prejudicial. Dentre eles estão:
- Personalidade impulsiva;
- Evitação de responsabilidade;
- Ambiente de exposição a jogos de azar;
- História familiar de dependências;
- Experiências traumáticas;
- Presença de outros transtornos psiquiátricos (como depressão e ansiedade).
4. Como saber se estou viciado?
O Questionário de Jogos de Azar de Massachusetts (MAGS) e o Questionário de Jogos de Azar de South Oaks (SOGS) são duas ferramentas muito úteis para conduzir autoavaliações a respeito da dependência de apostas. Ao responder “sim” a três ou mais perguntas desses testes, é recomendado buscar ajuda profissional.
Veja alguns exemplos:
- Você sente necessidade de apostar cada vez mais para sentir a mesma emoção?
- Você já tentou reduzir ou controlar o jogo, mas não conseguiu?
- Você sente culpa ou remorso após apostar?
- Você já usou dinheiro destinado a outras despesas para apostar?
- Você já mentiu sobre o hábito de apostar para familiares ou amigos?
5. Como se livrar do vício em jogos de azar?
O tratamento para o jogo patológico é baseado em uma abordagem terapêutica cognitivo-comportamental ou psicodinâmica, com uso eventual de medicamentos para controlar sintomas depressivos ou ansiosos. A participação em grupos de apoio também costuma ser sugerida como forma de reforçar as habilidades de enfrentamento e prevenção de recaídas.
No âmbito coletivo, discute-se a necessidade de criar medidas para desencorajar ou mesmo limitar o acesso às bets. A proibição de propagandas, o bloqueio de aplicativos e a restrição de patrocínios são algumas propostas levantadas por autoridades no assunto.
Vale lembrar que políticas similares já existem para conter outros comportamentos de dependência, como o tabagismo e o consumo exagerado de álcool.
Revisão técnica: Erica Maria Zeni (CRM 140.238/ RQE 75645), clínica geral e médica paliativista do corpo clínico Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. Possui graduação e residência Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e residência Medicina Interna pela Universidade de São Paulo (USP). Pós graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Latinoamerica Medicina Paliativa, Buenos Aires, Argentina.