Por Dra. Susana dos Reis Braga, Ortopedista e Traumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein, CRM-SP 99 848
O que é o pé torto congênito?
Chamamos de pé torto congênito (PTC) uma alteração nos ligamentos, músculos, tendões e ossos do pé que acontece ainda na gestação.
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Ainda não se sabe por que isso ocorre, mas é provável que influências genéticas e ambientais possam estar relacionadas a esse problema. É muito importante ressaltar que o PTC não está associado a nada que os pais tenham ou não feito durante a gestação, portanto não existe motivo para se sentir culpado.
Considerando as estatísticas mundiais, cerca de 1 a cada 1000 bebês nascem com PTC, sendo, portanto, uma das condições mais comuns entre as más-formações congênitas. Em 50% dos casos, os dois pés são acometidos.
Quais os sintomas do pé torto congênito?
Ao nascimento, observa-se que o pé se direciona para baixo e tem a parte da frente virada para dentro e para cima, apontando para a outra perna. (FIGURA 1). Também podemos perceber que a parte posterior da perna (panturrilha) é mais fina e o pé é um pouco menor. Apesar disso, o bebê não sente dor.
Como fazer o diagnóstico do pé torto congênito?
O diagnóstico pode ser realizado até mesmo antes do nascimento por meio das ultrassonografias realizadas a partir da 20ª semana de gestação. Quando isso acontece, os pais já podem consultar seu ortopedista pediátrico de confiança, que fornecerá orientação, esclarecerá as dúvidas e definirá o tratamento.
Quando a criança nasce, o diagnóstico é feito ou confirmado através da avaliação da forma e flexibilidade do pé. Raramente são necessários exames de imagem complementares.
Em alguns casos, de acordo com a posição e flexibilidade do pé, a alteração observada pode ser apenas postural e se corrigirá espontaneamente (chamado de pé torto postural). No entanto, quando confirmado o diagnóstico de pé torto congênito, o tratamento é necessário.
Na maioria das vezes o pé torto aparece de forma isolada e sem causa conhecida (idiopático). Em outras situações mais raras, uma deformidade no pé pode estar associada a condições mais complexas, como síndromes genéticas ou doenças neuromusculares, que serão cuidadosamente avaliadas ou descartadas pelo médico.
Qual o tratamento de pé torto congênito?
O PTC não pode ser negligenciado, pois a permanência da deformidade impedirá o uso de calçados comuns e dificultará o andar da criança. O tratamento tem excelentes resultados, permitindo que a criança tenha uma vida ativa, correndo e praticando esportes. Existem, inclusive, exemplos de atletas profissionais que trataram essa condição na infância.
Apesar de não ser uma urgência, o ideal é que o tratamento seja feito nos primeiros meses de vida, por meio do método desenvolvido pelo Professor Ignacio Vives Ponseti, um ortopedista nascido em Barcelona, na Espanha, que se radicou em Iowa nos EUA, onde atuou por toda a sua vida. O método idealizado pelo Prof. Ponseti é realizado em fases:
1. Primeira fase: correção
Nessa fase são realizadas manipulações suaves, seguidas de um gesso modelado que progressivamente leva o pé para sua posição normal. Usualmente as trocas são semanais e, em média, são necessários 5 ou 6 gessos, dependendo da gravidade de cada pé.
Em determinados casos, a deformidade da parte posterior (equino – calcanhar alto com a ponta do pé apontando para baixo) permanece e não é mais possível corrigi-la apenas com os gessos. Quando esse é o caso, um pequeno procedimento para alongar o tendão calcâneo (tenotomia) é realizado de forma ambulatorial com anestesia geral ou local. Após esse passo, um novo gesso é feito e permanece por 3 semanas para permitir a cicatrização e a reconstituição do tendão.
2. Segunda fase: prevenção da recidiva (retorno da deformidade)
Com o pé totalmente corrigido, inicia-se o uso de um aparelho (órtese de abdução) para evitar que exista o retorno da deformidade. Nos primeiros 3 meses de uso ela é retirada apenas para o banho e depois deve ser utilizada por 14 horas por dia até os 4 anos de idade.
A correta utilização das órteses é essencial para o sucesso do tratamento. Se houver o retorno parcial ou total da deformidade, um novo ciclo de correção com gessos precisará ser iniciado.
3. Terceira fase: acompanhamento
A criança é acompanhada durante todo o crescimento para que qualquer recidiva seja diagnosticada e tratada rapidamente.
Algumas vezes, em crianças a partir dos 3 anos são necessários procedimentos cirúrgicos pequenos complementares, como a transferência do tendão tibial anterior. Em situações raras, algumas crianças podem precisar de correções maiores (cirurgias) após o período de gesso e a decisão por estes procedimentos é feita de forma muito criteriosa.