Os benefícios da psicoterapia para a sua saúde mental

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Segundo a Organização Mundial da Saúde [OMS] (2012), a saúde mental não se caracteriza pela ausência de transtornos mentais, mas pela presença de “um estado de bem-estar no qual a pessoa consegue utilizar os seus potenciais, consegue lidar com o estresse normal da vida, trabalha de modo produtivo e contribui para sua a comunidade”. Isso significa que a saúde mental das pessoas pode ser impactada por diversos fatores, tais como as relações interpessoais, o trabalho, as condições de saúde, situação financeira, acesso à saúde, educação, moradia, lazer e segurança.

A importância de cuidar da saúde mental

Em momentos de dificuldade ou sofrimento contar com uma rede de apoio acolhedora tem um grande poder, mas também é importante reconhecer que o suporte profissional pode ser necessário, principalmente quando as estratégias utilizadas não são suficientes ou resolutivas. Nessas situações, podemos contar com os profissionais da saúde, sobretudo aqueles que atuam e que se especializaram no campo da saúde mental como psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, entre outros. 

Cada um desses profissionais dispõe de conhecimentos e técnicas específicas. Mesmo estando todos no campo da saúde mental, realizam assistências distintas. Por exemplo, você saberia distinguir a psiquiatria da psicologia? 

Como a mente humana funciona?

Para o entendimento da mente humana, tanto a psicologia como a psiquiatria, utilizam de linhas que muitas vezes se sobrepõem. No entanto, a formação de base médica da psiquiatria ajuda a distinguir alterações psíquicas que podem ter uma base orgânica, além de utilizar de medicações psicotrópicas, que atuam no sistema nervoso central. Por exemplo: uma pessoa com quadro de cansaço, desânimo e sonolência pode indicar um transtorno depressivo. Mas antes temos de excluir a possibilidade de ser uma alteração da função da tireoide ou um caso de anemia.  

Geralmente, nos casos mais leves de transtornos mentais, o tratamento psicológico pode ser suficiente. Quando os problemas se agravam ou começam a afetar o desempenho normal do nosso organismo e da vida das pessoas, o tratamento psicológico e psiquiátrico é o mais recomendado. Ambos os profissionais, da psicologia e da psiquiatria, têm atuações e limites distintos. Assim, eles podem indicar o melhor tratamento, que, dependendo do caso, pode ser uma atuação única ou em conjunto com outros profissionais. 

O que é psicoterapia?

Com relação ao trabalho dos psicólogos, uma das suas formas de atuação é a psicoterapia. Mas, afinal, o que é psicoterapia?

A psicoterapia é uma prática profissional realizada por psicólogos(as). Trata-se de um processo no qual o(a) psicólogo(a) acolhe, compreende as queixas do paciente e realiza intervenções por meio de técnicas reconhecidas pela ciência, pela prática e ética profissional. A psicoterapia tem o objetivo de promover a saúde mental e propicia condições para que as pessoas consigam enfrentar seus conflitos e sofrimentos. Desse modo, não se restringe apenas ao cuidado de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais (CFP, 2000).

A psicologia, como ciência que é, está em constante transformação tanto pela possibilidade de novos estudos como em decorrência do seu objeto de estudo: o ser humano e a sua subjetividade. Ao longo de décadas, diferentes teorias foram estabelecidas com foco em um ou outra ideia subjetiva, sendo “diferentes âmbitos de um mesmo processo” (BOCK, 2008, p.43).

Hoje, as psicoterapias podem acontecer amparadas em diferentes referenciais teóricos que norteiam a prática profissional. Alguns dos referenciais teóricos são: terapia cognitivo-comportamental, psicanálise, psicoterapia junguiana, terapia analítico-comportamental, gestalt-terapia e psicologia positiva. 

1. Terapia Cognitivo-Comportamental 

A terapia cognitivo-comportamental [TCC] foi criada na década de 60, pelo psiquiatra Aaron Beck, a partir das insatisfações que ele possuía com as formulações psicodinâmicas sobre a depressão. Beck começou a reparar que seus pacientes com depressão apresentavam pensamentos negativos e distorcidos sobre si mesmos, sobre o mundo e sobre os outros. Aos poucos, Beck foi estruturando um modelo cognitivo da depressão, que resultou no livro Terapia cognitiva da depressão (BECK, 2013), e que posteriormente evoluiu para a compreensão e tratamento de outros transtornos.

Para o tratamento da depressão, Beck concebeu uma psicoterapia estruturada, de curta duração, voltada para o presente, direcionada para a solução de problemas atuais e modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (inadequados e/ou inúteis) (Beck, 1964).

A premissa central da TCC é que mudando as crenças básicas do paciente sobre si mesmo, seu mundo e as outras pessoas, é possível alterar o modo como ele se sente, seu humor e seu comportamento (BECK, 2013; CORDIOLI; GREVET, 2019). Sendo assim, o modelo cognitivo pode ser exemplificado como:  

Situação / Evento

↓ 

Pensamentos automáticos / Crenças

↓ 

Reações

(emocionais, comportamentais e fisiológicas)

A TCC é um método psicoterapêutico fundamentado no modelo cognitivo, segundo o qual a emoção e o comportamento são influenciados pela forma como o indivíduo interpreta os acontecimentos (BECK, 2013; RANGÉ, 2001). Por exemplo, um funcionário é chamado até a sala do seu chefe. Durante a caminhada dele até a sala, ele tem pensamentos como “Eu fiz alguma coisa errada”, “Eu entreguei o relatório para ele mais cedo, mas eu deveria ter feito isso mais rápido”, “Eu sou incompetente”, começando a sentir o coração acelerar, as mãos tremerem e suarem, respirar cada vez mais rápido, se sentir triste ou ansioso, podendo até a começar a conversa pedindo desculpas para o chefe.

Talvez o chefe tenha chamado o funcionário para fazer um elogio sobre o bom trabalho que tem realizado, para lhe fazer um novo pedido ou pontuar sobre algum erro. Perceba que esses pensamentos automáticos e crenças vão se distanciando do contexto e vão se tornando generalizados e negativos, gerando comportamentos e respostas emocionais e fisiológicas que geram desconforto.

O processo terapêutico na TCC envolveria, neste caso específico:

  • Identificar os pensamentos automáticos e avaliar a validade dos pensamentos. Se identificado que é uma interpretação errônea da situação, corrigir com pensamento adaptativo. Desse modo, ocorrerá a melhora no humor, a mudança para um comportamento mais funcional e a diminuição das reações fisiológicas.
  • Ensinar o paciente a identificar as cognições negativas e distorcidas (crenças nucleares, crenças intermediárias e pensamentos automáticos) e encarar os dados negativos de modo mais realista e adaptativo. Outra parte importante da terapia é ajudá-la a identificar e processar os dados positivos de forma clara e direta.

De modo geral, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem psicoterapêutica estruturada, diretiva, ativa, de prazo limitado, utilizada como tratamento de escolha para uma variedade de transtornos psiquiátricos (Beck, 1997). A TCC se fundamenta na racionalidade teórica subjacente de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como ele estrutura o mundo.

As cognições do sujeito se baseiam em atitudes ou pressuposições desenvolvidas a partir de vulnerabilidades biológicas e experiências que teve ao longo de sua vida (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997). Dessa forma, as técnicas terapêuticas dessa abordagem visam identificar e testar cognições distorcidas dos pacientes, guiando-os para a construção de esquemas cognitivos mais funcionais a sua realidade (Moreno & Wainer, 2014).

2. Psicanálise

A Psicanálise é uma abordagem teórica e terapêutica criada por Sigmund Freud (1856-1939), um médico psiquiatra austríaco. Os pressupostos básicos da Psicanálise Freudiana são: a existência do inconsciente, a teoria dos três componentes da mente, a teoria da libido, a importância da sexualidade na vida psíquica e a técnica da associação livre. 

O inconsciente é definido como o conjunto de conteúdos psíquicos que não estão disponíveis para a consciência. É uma parte importante da mente humana que influencia o comportamento de forma inconsciente. A teoria dos três componentes da mente (id, ego e superego) descreve os três níveis de consciência que existem na mente humana. O id se refere ao inconsciente, o ego é a parte do inconsciente que foi alterada pela realidade externa e o superego são os padrões morais e éticos que regem o comportamento. A teoria da libido descreve a pulsão sexual como a força motivadora principal na vida humana (FREUD, 1915).

Para explorar os conteúdos do inconsciente a Psicanálise utiliza a técnica da associação livre. Nesta técnica, o paciente é incentivado a falar livremente sobre qualquer assunto que lhe venha à mente. O objetivo é acessar o inconsciente, que também é representado por meio da fala. 

O tratamento psicanalítico é feito com o objetivo de ajudar o paciente a ter um maior autoconhecimento e compreensão de si mesmo, a fim de melhorar a qualidade de vida. O terapeuta trabalha com o paciente para ajudá-lo a desenvolver uma maior consciência de seus sentimentos, pensamentos, desejos e motivações, bem como para lidar melhor com as questões emocionais que estão afetando sua vida. Para a Psicanálise os sintomas apresentados pelo paciente estão relacionados com a cultura na qual as pessoas estão inseridas. Desse modo, a Psicanálise está sempre em desenvolvimento e autores como Anna Freud, Donald Woods Winnicott, Melanie Klein e Jacques Lacan entre outros produziram importantes avanços na teoria psicanalítica. 

3. Psicologia Analítica

Segundo George Hogenson, a Psicologia Analítica é uma abordagem psicológica criada por Carl Jung, que estabelece o foco no papel das experiências simbólicas e espirituais da vida humana. Esta abordagem se baseia na compreensão de que a consciência é apenas uma parte superficial da personalidade, e que há partes do inconsciente que precisam ser exploradas e compreendidas. Assim, Jung reconhece que somos influenciados por fatores que estão fora de nossa experiência pessoal e que teriam uma qualidade mais universal. Esses fatores, são chamados de arquétipos e formam o inconsciente coletivo, que dão forma a narrativas culturais, mitos e fenômenos religiosos.

O objetivo da análise junguiana é a individuação, que se refere à obtenção de uma maior consciência dos fatores pessoais e coletivos que influenciam como a pessoa se relaciona com a totalidade das suas experiências psicológicas, interpessoais e culturais. É uma abordagem que também incentiva o autoconhecimento, que é o processo de explorar a si mesmo, descobrindo quem somos, o que nos motiva e como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor.

A Psicologia Analítica é útil para aqueles que procuram um maior autoconhecimento e compreensão de si. Esta abordagem pode ajudar as pessoas a descobrirem as suas forças internas, aceitar seus instintos e impulsos, e compreender melhor como se relacionam com o mundo ao seu redor.

4. Terapia Analítico-Comportamental

A terapia analítico-comportamental, diferente das outras abordagens e modelos terapêuticos, não foi criada como uma prática clínica, mas sim como uma filosofia que propunha descrever e explicar fenômenos comportamentais sob uma ótica behaviorista radical. Posteriormente, alguns psicólogos começaram a ver sua aplicabilidade na prática clínica (DE-FARIAS; NUNES FONSECA; BEZERRA NERY, 2018).

A terapia analítico-comportamental baseia-se nas teorias e nos princípios da aprendizagem para explicar o surgimento, a manutenção dos pensamentos, emoções e comportamentos do indivíduo. Deste modo, essa abordagem acredita que o indivíduo interage com os outros e com o mundo, aprendendo com essa relação e estabelecendo relações funcionais, isto é, estabelecendo relações entre como ele age e como ambiente (outras pessoas e/ou mundo) responde a essa interação (CORDIOLI; GREVET, 2019; DE-FARIAS; NUNES FONSECA; BEZERRA NERY, 2018).

O foco da intervenção é a psicoeducação do paciente para que ele compreenda a relação que ele estabelece consigo, com os outros e com mundo, assim como ampliar os recursos que os pacientes possuem para lidar com essa relação, seja por meio da modificação de alguns comportamentos, seja por meio das relações simbólicas que ele estabelece.

Uma curiosidade é que não existe uma uniformidade no nome, podendo ser encontrado como Análise Comportamental Clínica ou Terapia Analítico-Comportamental (E-FARIAS; NUNES FONSECA; BEZERRA NERY, 2018). 

5. Gestalt-Terapia 

A Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica criada por Frederick Perls na década de 1940. É uma abordagem centrada na pessoa que se baseia na teoria da Gestalt, que procura promover mudanças no estado atual do indivíduo, ajudando-o a encontrar seu próprio potencial criativo para lidar com as demandas da vida. 

A Gestalt-terapia trabalha com experiências imediatas, o aqui-agora, que constitui a porta de entrada para a realidade. Assim, a existência só se dá no presente, que abrange lembranças do passado e expectativas sobre o futuro. 

Os principais objetivos da Gestalt-terapia são ajudar as pessoas a compreender e aceitar seus sentimentos e emoções, tornar-se conscientes de suas habilidades e potencial, melhorar a autoestima e a capacidade de tomar decisões, e estabelecer relacionamentos saudáveis com os outros. 

As técnicas de intervenção da Gestalt-terapia incluem o uso de tarefas individuais, tarefas de consciência corporal, diálogo interno, visualização, experimentação e expressão de sentimentos. Elas ajudam os clientes a se tornarem mais conscientes e responsivos às suas próprias necessidades, sentimentos, pensamentos e comportamentos. Além disso, essas técnicas também ajudam os clientes a desenvolver habilidades para estabelecer relacionamentos saudáveis com os outros.

6. Psicologia Positiva

Segundo Simon (2014), a psicologia positiva teve início com pesquisadores norte-americanos que buscavam compreender “o que faz a vida ser digna de ser vivida”. Na percepção de Martin Seligman, seu fundador, as diversas abordagens psicológicas mantinham o foco da sua atuação nos problemas e nos transtornos mentais e, que, portanto, era necessário ampliar essa visão. Para isso, considerou que um dos principais objetivos da psicologia positiva seria promover os pontos fortes e os recursos psicológicos que são capazes de melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Esse movimento possui três áreas de investigação científica situadas no nível subjetivo, individual e grupal. No nível subjetivo, o foco se volta para as experiências como valores, bem-estar subjetivo, otimismo e esperança, felicidade e flow. No nível individual busca conhecer os traços positivos relacionados às características de cada pessoa como, por exemplo, suas habilidades interpessoais e seus talentos. E no nível grupal são analisadas virtudes comunitárias, para que os indivíduos se tornem cidadãos responsáveis, altruístas, tolerantes e éticos (SIMON, 2014).

Na clínica o papel da intervenção positiva é auxiliar a pessoa a construir uma vida prazerosa, engajada, com senso de propósito e significado em suas vidas.

Revisão técnica por: Bianca Batista Dalmaso, Daniel de Paula Oliva, Karen Kamila Borges, Luciana de Morais Netto, Renata Davi de Sousa e Roberta Carolina de Almeida.

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