Transição de gênero: o que é e quais são suas implicações na saúde? 

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Apesar da identidade de gênero ser cada vez mais debatida na sociedade, com sua diversidade mais representada na televisão e em filmes e livros, por exemplo, ainda existem muitas dúvidas e preconceitos sobre o tema. Isso pode ser percebido, principalmente, a partir da vivência de pessoas transgênero.  

Embora a transgeneridade tenha sido erroneamente classificada como uma doença no passado, isso já foi corrigido. Ela não consta na atual na lista de classificação de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS), decisão anunciada em 2018 pela entidade. 

Hoje, entende-se a “transição de gênero” como um termo guarda-chuva que abarca todos os processos de mudança física e mental experimentados por uma pessoa trans em sua jornada de desenvolvimento e manutenção das características que melhor se alinham com a sua identidade. Isso pode envolver o uso de hormônios, a realização de intervenções cirúrgicas e o acompanhamento psicológico. 

Mas, afinal, o que é identidade de gênero? 

“Sexo” é o termo utilizado para se referir às características biológicas de um indivíduo, como o seu par de alossomos (cromossomos sexuais, XX ou XY) e sua genitália (vagina ou pênis). É por meio dessas informações que os bebês são identificados como meninas ou meninos. 

Contudo, na sociedade, tal separação não é apenas biológica e traz diversas implicações. Mulheres e homens são educados de formas diferentes e submetidos a estímulos e comportamentos que os colocam em “caixas” separadas.  

Tipicamente, isso é entendido como gênero. No entanto, essa classificação binária (isso é, composta por apenas dois elementos) não corresponde, na prática, à pluralidade de identidades. Isso porque, como o gênero é uma construção social, ele não está limitado às características biológicas, e envolve também questões de natureza psicológica e cultural. 

O que são pessoas cisgênero? 

Indivíduos cisgênero são aqueles que se reconhecem com o gênero que lhes foi atribuído por suas características biológicas. Isso quer dizer que uma mulher cisgênero, por exemplo, é uma pessoa que nasceu com vagina e cromossomo XX e se entendeu enquanto mulher durante seu desenvolvimento. 

O que são pessoas transgênero? 

Por sua vez, as pessoas transgênero são aquelas que não se veem completamente ou mesmo parcialmente contempladas pelo “rótulo” que receberam ao nascer. Com isso, adotam uma identidade que pode, em uma lógica binária, ser o “contrário” do gênero ao qual era associado até então. Por exemplo: uma mulher trans ou uma travesti podem se sentir representadas por uma identidade feminina e apresentar pênis e cromossomos XY. 

Mas também é possível que indivíduos transgênero prefiram se apresentar como pertencentes a um gênero não binário. Isso significa que podem se reconhecer com características “masculinas” e “femininas” em diferentes proporções ou mesmo negar as noções de gênero e viver como alguém agênero. 

A transição de gênero, portanto, não se limita a uma simples mudança entre masculino e feminino, ela envolve um espectro muito mais amplo. A identidade de gênero é algo particular, autodeclarado e que passa pela vivência interna de cada indivíduo. Por isso, pode desafiar as “normas” tradicionais e não estar exclusivamente relacionada aos atributos físicos. 

Vídeo: Tudo o que você precisa saber sobre transição de gênero 

A medicina por trás da transição de gênero 

Por mais que a identidade de gênero não esteja necessariamente relacionada à presença de características secundárias tradicionalmente masculinas ou femininas, algumas pessoas trans sentem o desejo de desenvolver esses traços.  

Em alguns casos, mais do que uma vontade, trata-se de uma sensação de indispensabilidade, pois a presença, por exemplo, de voz grossa, seios ou barba causa disforia de imagem – uma angústia com a aparência do próprio corpo. 

Essas alterações só são possíveis a partir de intervenções medicamentosas e cirúrgicas. Por isso, é indicado que pessoas trans façam acompanhamento contínuo com: 

  • Endocrinologista: responsável por iniciar e fazer a manutenção das reposições hormonais com testosterona e estrogênio, que vão estimular o desenvolvimento e a atrofia de músculos, órgãos e outros tecidos; 
  • Ginecologista/Urologista: para tratar a saúde dos órgãos sexuais durante o processo de transição de gênero e a exposição aos hormônios até então encontrados em menor quantidade no corpo; 
  • Psiquiatra e psicólogo: de forma a zelar pela saúde mental em meio à transformação corporal e ter apoio no caso de episódios de assédio, violência e transfobia; 
  • Cirurgiões: nos casos em que a pessoa expressa o desejo de fazer alterações plásticas em seu corpo, como em cirurgias de redesignação sexual (mudança do aparelho reprodutor), mastectomia ou mamoplastia (retirada total ou mudança no volume e formato dos peitos) e tireoplastia ou glotoplastia (mudanças na voz para tons mais graves ou agudos). 

Escassez de profissionais 

Apesar do crescimento dos tipos de tratamento existentes para a transição de gênero, esse processo ainda é bastante restrito e estigmatizado. Na realidade brasileira, o que se vê são raros profissionais especializados, normalmente ligados a instituições de pesquisa de referência ou ao serviço privado. Isso faz com que o acesso a esses instrumentos seja ainda muito elitizado, sem disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS) ou mesmo cobertura pelos convênios médicos.  


Revisão técnica: Erica Maria Zeni, médica da Unidade de Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein. Possui graduação e residência em Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e residência em Medicina Interna pela Universidade de São Paulo (USP). Também possui pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium Latinoamérica Medicina Paliativa, em Buenos Aires, Argentina.

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