O objetivo do coração é bombear sangue rico em oxigênio por todo o nosso sistema circulatório. Funciona, portanto, como uma bomba. Quando essa função não é desempenhada corretamente, diz-se que o paciente apresenta insuficiência cardíaca.
A insuficiência cardíaca é definida como uma síndrome clínica, ou seja, um conjunto de sintomas e sinais que surgem quando a demanda por oxigenação do coração está sendo insuficiente. Isso significa que o corpo não recebe sangue o bastante para atender suas necessidades, prejudicando outras funções do organismo.
As causas dessa insuficiência são diversas: podem ser um problema na força do coração, nas válvulas cardíacas ou nas coronárias, por exemplo. É importante identificar a causa da síndrome, porque a partir daí é possível realizar o manejo adequado do problema e, em alguns casos, até reverter o quadro.
Sintomas da insuficiência cardíaca
Se o coração não está bombeando o sangue corretamente, o indivíduo passa a ter sintomas. Entre eles:
- Cansaço;
- Falta de ar, inclusive quando está em repouso;
- Inchaço, especialmente nos pés e nas pernas;
- Fraqueza;
- Indisposição;
- Intolerância ao exercício físico
- Palpitações;
Diagnóstico
O diagnóstico da insuficiência cardíaca é basicamente clínico – ele é feito durante a anamnese, quando o médico faz uma análise detalhada da história do paciente, em associação com a ausculta pulmonar e cardíaca, que ficam alteradas.
O quadro pode ser confirmado pelo ecocardiograma (ultrassom do coração), que pode inclusive dar algumas pistas sobre a causa da insuficiência, e de um exame de sangue chamado BNP.
O diagnóstico correto é essencial e, quanto mais precoce, o tratamento é ainda mais efetivo. Busque auxílio médico assim que sintomas limitantes forem identificados, especialmente se estão associados a cansaço e inchaço.
Tratamento
O objetivo do tratamento é amenizar os sintomas, melhorar a função cardíaca e impedir a progressão da doença. Quando a causa é conhecida, em geral, o tratamento é medicamentoso e envolve uma combinação de remédios. Quase 50% dos pacientes conseguem reverter o quadro com o tratamento adequado.
Principais causas e origem genética
As causas mais prevalentes da insuficiência cardíaca são a hipertensão arterial, problemas valvares, doença de Chagas e miocardiopatia isquêmica (quando há entupimento das coronárias). São causas secundárias, ou seja, consequências de outro problema cardiológico.
Mas, em cerca de 20% dos casos, os pacientes não têm nenhum desses problemas, então são diagnosticados com miocardiopatia primária. Significa que eles têm uma doença primária no músculo do coração que está gerando a insuficiência cardíaca.
A doença primária é mais rara e, dependendo da consequência no músculo do coração, ela é dividida em diferentes grupos:
- Miocardiopatia hipertrófica: caracterizada pelo coração aumentado, espessado, hipertrofiado. Com as paredes muito espessas, a cavidade por onde o sangue passa fica reduzida, gerando a insuficiência cardíaca. Cerca de 50% de casos têm origem genética;
- Miocardiopatia dilatada: caracterizada pelo enfraquecimento das fibras do músculo cardíaco. Em vez delas contraírem, se dilatam (como uma bexiga flácida), e o coração não consegue exercer sua função de bomba adequadamente. Cerca de 20% têm origem genética;
- Miocardiopatia arritmogênica: caracterizada por pequenas fibroses no coração, como se fossem cicatrizes em várias partes do músculo. Isso faz com que o coração não contraia de forma adequada, gerando arritmias. Cerca de 50% têm causa genética.
A importância da identificação genética
Dentro dos casos de miocardiopatia primária existem algumas variantes patogênicas que vão gerar defeitos na proteína do músculo cardíaco, levando ao desenvolvimento da doença.Os pacientes com miocardiopatias com causa genética têm maior probabilidade de evoluir para transplante cardíaco ou morte súbita cardíaca.
Na miocardiopatia hipertrófica, por exemplo, o paciente tem uma variante patogênica (mutação) em algum dos genes associados ao sarcômero (que é a unidade funcional de contração do músculo cardíaco), como o MYH7. Nesses casos, essa mutação codifica uma proteína do coração, que tem a sua função aumentada. Isso faz o coração hipertrofiar, podendo causar a insuficiência e aumentar o risco de morte súbita cardíaca. Em geral, essa insuficiência cardíaca se apresenta entre os 20 e 40 anos de idade – e não no paciente idoso, hipertenso ou com diabetes. Muitas vezes essa miocardiopatia acomete jovens e atletas.
A miocardiopatia arritmogênica também afeta os mais novos e os sintomas costumam surgir entre 20 e 40 anos. Ela acontece em variantes patogênicas de genes que codificam o complexo desmossomal (especialmente o gene PKP2), que faz a conexão das células cardíacas. Sem essa conexão, as células ficam mais “soltas” e isso leva à formação de fibrose e gordura, gerando arritmias. Essa condição também pode aumentar o risco de morte súbita cardíaca. Nesses dois casos, se o paciente tem critério de alto risco de morte súbita, pode ser indicado o uso de um marcapasso com cardiodesfibrilador para prevenir complicações.
Já a miocardiopatia dilatada está associada a uma alteração genética em alguns genes, sendo o mais frequente o TTN, chamado Titina. Essa mutação gera uma perda da função da proteína e tem como consequência o coração ficar mais fraco. Em geral, acomete pessoas entre 30 e 50 anos. Nesses casos não há tanto risco de morte súbita cardíaca e o tratamento medicamentoso adequado tende a ser suficiente.
Quando fazer o teste genético?
As diretrizes de cardiologia dos Estados Unidos e da Europa já recomendam a realização do teste genético para detectar a causa da insuficiência cardíaca nas miocardiopatias primárias.
Isso também pode ajudar os médicos a entenderem o prognóstico de cada caso (especialmente quando há risco de morte súbita). Além disso, permite a implementação de medidas preventivas, com a definição de estratégias de tratamento personalizadas, como o uso de medicações específicas para a doença molecular em questão.
A importância do aconselhamento
Nem todas as pessoas com insuficiência cardíaca precisam fazer teste genético – a indicação é específica e deve ser feita por um médico e uma equipe especializados no assunto. Nunca faça o exame por conta própria, sem acompanhamento.
Ao receber a indicação do teste, é importante que o paciente faça uma consulta de aconselhamento genético, antes e depois de realizar o exame, especialmente quando for identificada uma variante que possa impactar outras pessoas da família.
Na cardiologia, o teste mais usado é um painel de sequenciamento de nova geração para cada uma dessas miocardiopatias. Um teste genético que não é bem indicado só vai gerar angústia e dúvidas no paciente e seus familiares.
Pesquisa familiar
Ao receber um diagnóstico de uma doença cardíaca de origem genética, é importante fazer o rastreio na rede de familiares de primeiro grau – em especial pais, irmãos e filhos. A maioria das doenças genéticas cardíacas são autossômicas dominantes, ou seja, há 50% de chance dos filhos terem a mesma alteração genética. Isso ajuda a orientar as próximas gerações a tomarem medidas preventivas, como um acompanhamento cardíaco regular.
Revisão técnica: Natália Olivetti, cardiologista da Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein