O consumo de álcool é uma prática enraizada e amplamente aceita em muitas culturas ao redor do mundo – inclusive no Brasil. O que pouca gente sabe é que a prática está associada a pelo menos sete tipos de câncer: mama, boca, laringe, garganta, esôfago, fígado e cólon.
No início de 2025, o Departamento de Saúde e Recursos Humanos dos Estados Unidos publicou o relatório Alcohol and Cancer Risk, em que destaca que o álcool é a terceira causa evitável de câncer, depois do tabaco e da obesidade, contribuindo para cerca de 100 mil casos e 20 mil mortes a cada ano naquele país. Além de citar os sete tipos de câncer diretamente associados ao consumo da bebida, o documento aponta que, globalmente, ao menos 741 mil casos da doença foram relacionados ao álcool em 2020.
E não é preciso ser alcoólatra para ter o risco de câncer aumentado. Não existe consumo seguro de álcool e não é porque a pessoa faz uso controlado da bebida que ela estará livre do risco de câncer. Inclusive, o perigo se aplica a todo tipo de álcool: vinho, destilados e até cerveja.
Mecanismos de ação
Estabelecer a relação causal entre o fator de risco e um resultado na saúde é complexo, mas vários estudos têm demonstrado que há quatro mecanismos biológicos que levam o álcool a aumentar o risco de câncer:
1. Danos ao DNA
A primeira explicação é que a substância pode danificar o DNA. Isso porque o álcool se decompõe em acetaldeído, um metabólito que causa câncer ao se ligar ao DNA de modo a danificá-lo. Uma célula pode começar a crescer descontroladamente e criar um tumor possivelmente maligno.
Nosso sistema imunológico é capaz de nos proteger contra vários danos ao mesmo tempo. No entanto, chega uma hora que ele pode falhar. E aí, pode ter início um processo neoplásico, que nada mais é do que a multiplicação desordenada de uma célula com mutação. A chamada carcinogênese funciona dessa forma: tem um fator desencadeador, um erro no sistema de defesa e ali ele se prolifera.
2. Aumento da inflamação
O segundo mecanismo de ação do álcool é que ele gera espécies reativas de oxigênio, que aumentam a inflamação no organismo por meio de um processo chamado estresse oxidativo.
3. Alterações hormonais
O terceiro mecanismo é que a substância altera os níveis hormonais (especialmente do estrogênio), o que pode expor mulheres ao aumento desse hormônio e, consequentemente, a um risco maior de câncer de mama.
4. Efeitos diretos
Por fim, a quarta forma de ação é que alguns órgãos (como fígado, boca e intestino) sofrem efeitos diretos do álcool. Além disso, outros carcinógenos podem se associar ao álcool e facilitar sua absorção pelo corpo.
Existe dose segura?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe consumo seguro de álcool – qualquer quantidade pode aumentar o risco de câncer. Um fator importante é a quantidade total de álcool consumida consistentemente ao longo do tempo.
Segundo o relatório dos EUA, para certos tipos de câncer, como de mama, boca e garganta, as evidências mostram que esse risco pode começar a aumentar em torno de uma ou menos doses por dia.
No Brasil, a referência de dose mais utilizada é a divulgada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), que considera que uma dose (unidade) padrão de álcool correspondente a 14 g de etanol puro – isso equivale a cerca de 350 ml de cerveja (uma lata), 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados (como vodca, cachaça ou uísque).
A OMS, no entanto, usa como dose padrão o equivalente a 10 g de álcool e recomenda o máximo de duas doses por dia para homens e uma por dia para mulheres, desde que se abstenham de beber pelo menos duas vezes na semana.
Parar de beber diminui o risco?
Há evidências de que, em longo prazo, parar de beber ou reduzir o consumo de álcool reduz diretamente a probabilidade de cânceres de boca e esôfago. Segundo o relatório Alcohol and Cancer Risk, mais pesquisas são necessárias para determinar se esse risco também diminui para outros tipos de câncer — ou até se pode chegar ao nível observado em pessoas que não costumam beber.
Fonte consultada: Ana Paula Garcia Cardoso, oncologista clínica do Hospital Israelita Albert Einstein.