Doenças genéticas raras: o que são e como identificá-las?

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As doenças raras são condições que afetam um pequeno número de pessoas em comparação com a população geral, muitas vezes de caráter crônico, progressivo e grave. No Brasil, considera-se rara uma doença que afeta até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde, e estima-se que existam mais de 8 mil doenças raras diferentes identificadas em todo o mundo. 

A maioria delas possui origem genética e costuma se manifestar desde a infância, embora algumas possam surgir em adultos. Devido a sua raridade e complexidade, essas doenças geralmente apresentam um grande desafio para diagnóstico e tratamento, exigindo equipes especializadas e o envolvimento de várias áreas médicas.

Exemplos de doenças raras

Algumas das doenças raras mais conhecidas incluem:

  • Mucopolissacaridoses, um grupo de doenças metabólicas que comprometem o funcionamento dos órgãos e tecidos;
  • Fibrose cística, uma condição hereditária que compromete principalmente o sistema respiratório e digestivo;
  • Distrofia muscular de Duchenne, que causa degeneração progressiva dos músculos;
  • Síndrome de Ehlers-Danlos, caracterizada pela fragilidade da pele e das articulações; 
  • Doença de Gaucher, um distúrbio de armazenamento lisossômico que pode afetar vários órgãos, incluindo o fígado e o baço; 
  • Síndrome de Rett, que afeta o desenvolvimento neurológico e é diagnosticada quase exclusivamente em meninas;

Desafios no diagnóstico

O diagnóstico de uma doença rara é frequentemente um processo longo e desafiador, conhecido como “odisseia diagnóstica”, devido à complexidade e à falta de familiaridade dos profissionais de saúde com essas condições. 

Em média, estima-se que uma pessoa com doença rara leve entre cinco e sete anos para obter um diagnóstico preciso, durante os quais pode passar por múltiplos médicos e realizar uma série de exames inconclusivos. 

Nos últimos anos, entretanto, a introdução de novas tecnologias de diagnóstico molecular, como o sequenciamento de nova geração (NGS), paineis de genes e o sequenciamento completo do exoma ou do genoma, acelerou significativamente esse processo. 

Com esses métodos, é possível analisar centenas ou milhares de genes simultaneamente, aumentando as chances de identificar a causa genética da doença de forma mais rápida e precisa. Isso é especialmente importante em doenças que apresentam sintomas semelhantes a outras condições mais comuns, dificultando o diagnóstico por meio de exames convencionais.

Avanços terapêuticos

Embora a maioria das doenças raras não tenha cura, o avanço das terapias específicas para algumas dessas condições tem trazido esperança e melhorado a qualidade de vida dos pacientes. 

Um exemplo é a terapia de reposição enzimática, usada para tratar doenças de depósito lisossômico, como a doença de Pompe e a doença de Fabry. Esse tipo de terapia substitui a enzima que falta no organismo, reduzindo o acúmulo de substâncias tóxicas e melhorando a função dos órgãos afetados. 

Além disso, o desenvolvimento de medicamentos órfãos – aqueles destinados ao tratamento de doenças raras – aumentou nos últimos anos, em parte devido a políticas de incentivo que promovem pesquisa e desenvolvimento nesses casos. 

Outro avanço importante são as terapias gênicas e as terapias celulares, que representam uma fronteira promissora no tratamento de doenças genéticas raras. Essas abordagens buscam corrigir ou substituir o gene defeituoso responsável pela condição. Em alguns tipos de distrofia muscular e em formas hereditárias de cegueira, já existem ensaios clínicos em andamento que oferecem resultados encorajadores.

Cuidado multidisciplinar

Além dos tratamentos específicos, o cuidado multidisciplinar é fundamental para pessoas com doenças raras. Esses pacientes geralmente precisam de acompanhamento com diferentes especialistas — como neurologistas, cardiologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos — para o manejo completo da condição e das suas manifestações. 

O suporte de uma equipe de cuidados coordenados contribui para o controle dos sintomas, a prevenção de complicações e o acompanhamento de possíveis novos tratamentos.

A importância da investigação genética

A investigação genética desempenha um papel essencial no diagnóstico e no manejo adequado de doenças raras. Primeiramente, o diagnóstico precoce e preciso permite a orientação correta sobre a doença e o início de tratamentos e intervenções específicas, que podem retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida. 

Por exemplo, em doenças progressivas como a doença de Huntington, o conhecimento sobre a condição pode ajudar a planejar intervenções terapêuticas e de suporte antes que os sintomas avancem. 

Além disso, a investigação genética possibilita o aconselhamento genético, essencial para orientar os pacientes e suas famílias sobre o caráter hereditário da condição e o risco de recorrência em futuras gestações.

Em casos em que a doença é hereditária, o aconselhamento genético permite que familiares assintomáticos sejam testados e recebam acompanhamento preventivo, se necessário. 

No contexto da medicina reprodutiva, o diagnóstico genético possibilita aos casais realizar o diagnóstico pré-implantacional (PGD) e o diagnóstico pré-natal para assegurar a saúde dos futuros filhos. 

Por fim, a confirmação genética de uma doença rara oferece um prognóstico mais claro para o paciente e seus familiares, o que facilita o planejamento dos cuidados futuros e das adaptações necessárias para a vida cotidiana. 

Esse conhecimento permite que o paciente e sua família busquem serviços de apoio, associações de pacientes e outras formas de suporte emocional e educacional que são fundamentais para enfrentar a condição de forma mais informada e tranquila. 

Embora o caminho diagnóstico possa ser complexo e longo, os avanços nas técnicas moleculares, no desenvolvimento de medicamentos específicos e nas abordagens multidisciplinares mostram um cenário cada vez mais promissor para esses pacientes e suas famílias. 

A identificação precoce e o manejo adequado representam não apenas uma oportunidade de melhorar a saúde e o bem-estar do paciente, mas também uma fonte de conhecimento e planejamento para as futuras gerações.


Revisão técnica: Fernanda Teresa de Lima, coordenadora do Centro de Medicina Genômica do Hospital Israelita Albert Einstein; Marcelo Szeremeta Ayres Correia (CRM 205035 e RQE 101854), médico geneticista do Centro de Medicina Genômica do Hospital Israelita Albert Einstein

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