Médico geneticista: quando procurar esse especialista, afinal?

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Você já se perguntou o que um médico geneticista faz? Embora essa área ainda seja pouco conhecida pelo público em geral e conte com poucos especialistas no Brasil, a Genética oferece um vasto campo de atuação para esses profissionais e pode ser de grande ajuda para quem os procura.

A genética médica é o campo da medicina que foca no diagnóstico, no tratamento e na prevenção de doenças genéticas, estudando os genes e suas influências sobre nossa saúde. Ela envolve o entendimento do material genético humano e de como as variações genéticas podem predispor ou causar doenças.

Ao analisar as características genéticas dos pacientes, a genética médica busca oferecer diagnósticos precisos, orientações preventivas e intervenções terapêuticas personalizadas, considerando que muitas condições de saúde têm componentes hereditários significativos.

O que é um médico geneticista?

Um médico geneticista é um profissional especializado no estudo dos genes. Ele é treinado, principalmente, para diagnosticar, tratar e aconselhar pacientes com doenças genéticas ou que possam desenvolvê-las ao longo da vida.

Esses médicos podem realizar exames genéticos e interpretar os resultados para fazer um diagnóstico preciso, oferecendo orientações sobre:

  • tratamento;
  • manejo da condição;
  • probabilidade de recorrência em casos familiares.

Além disso, eles fornecem orientação sobre o risco genético de desenvolver certas doenças, auxiliando inclusive no planejamento familiar e na garantia de gestações mais seguras.

Mas isso não é tudo: os médicos geneticistas também se envolvem em pesquisas para entender melhor essas alterações genéticas e buscar novas formas de tratamento.

Qual é a formação desses profissionais?

A formação básica de um médico geneticista é dividida em duas etapas: graduação e especialização. Vamos entender cada uma delas?

Graduação

O primeiro passo é obter um diploma de graduação em Medicina. Esse curso dura cerca de seis anos e inclui disciplinas médicas básicas, como anatomia, fisiologia, bioquímica, farmacologia e patologia.

Na maioria dos casos, os últimos dois anos são dedicados ao internato, período em que o estudante vivencia a rotina dos hospitais, sempre supervisionado por médicos experientes. É como um estágio que prepara o futuro profissional para a prática médica.

Especialização

Após concluir a graduação, o médico obtém o título de Clínico Geral. Se ele desejar se especializar, precisará fazer uma residência ou uma pós-graduação na área de sua escolha.

A residência é realizada em hospitais credenciados e tem duração média de quatro anos. Nesse período, o estudante recebe uma bolsa de estudos para se dedicar exclusivamente à prática da nova especialidade.

A residência em Genética Médica dura três anos. Os médicos recebem treinamento em diagnóstico, manejo de doenças genéticas, aconselhamento genético e interpretação de exames genéticos. A especialidade é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e regulamentada pela Associação Médica Brasileira (AMB), e o médico geneticista é habilitado a orientar e tratar condições hereditárias complexas.

As pós-graduações geralmente têm uma duração mais curta e, em alguns casos, podem ser feitas à distância ou em formato híbrido. Elas são pagas, ao contrário das residências. Após concluir o curso, é necessário passar por uma prova para validar a especialização.

O que faz um médico geneticista?

Agora que você já entendeu que esse especialista lida principalmente com doenças genéticas, vamos falar sobre algumas de suas atribuições de forma mais direta.

Um médico geneticista pode trabalhar em hospitais, maternidades, laboratórios e até mesmo empresas de outros setores, como a agropecuária. Além disso, esse profissional pode atender via telemedicina, fazendo com que o acesso ao seu trabalho seja otimizado e democratizado.

Em geral, as principais áreas de atuação desses profissionais são:

Neurogenética

A neurogenética aborda doenças neurológicas de base genética, como epilepsias hereditárias, distúrbios do desenvolvimento neurológico e condições neurodegenerativas, como a doença de Huntington. Por exemplo, em casos de epilepsia mioclônica progressiva, o exame genético pode identificar mutações nos genes EPM1 ou EPM2A, que explicam a condição e ajudam no manejo adequado.

Outro exemplo são as doenças neuromusculares, como a distrofia muscular de Duchenne, causada por mutações no gene DMD. Na doença de Parkinson hereditária, que ocorre em idade jovem, o exame dos genes LRRK2 e PARK2 pode fornecer um diagnóstico mais preciso e permitir intervenções terapêuticas específicas.

Esse campo é essencial para o manejo e planejamento de cuidados para doenças neurológicas que afetam o sistema motor, o desenvolvimento cognitivo e a qualidade de vida do paciente e de seus familiares.

Oncogenética

Já a oncogenética é o ramo da genética médica focado na avaliação dos riscos hereditários para o desenvolvimento de câncer. O oncogeneticista analisa o histórico familiar e realiza exames moleculares para identificar mutações em genes que aumentam a predisposição a essas doenças.

Um exemplo é a análise dos genes BRCA1 e BRCA2, que, quando alterados, elevam o risco de câncer de mama e ovário. Outro exemplo é o gene TP53, cuja mutação está associada à síndrome de Li-Fraumeni, que aumenta o risco de diversos tipos de câncer em várias faixas etárias, incluindo câncer de mama, osteossarcoma e câncer de pulmão.

A identificação de tais mutações permite a criação de estratégias preventivas, como exames periódicos e intervenções cirúrgicas profiláticas em casos de risco elevado, além de direcionar familiares para exames de rastreamento.

Genética neonatal

Na genética neonatal, o foco está na detecção precoce de erros inatos do metabolismo e malformações congênitas, condições que podem comprometer o desenvolvimento e a sobrevivência do recém-nascido.

Exames como o teste do pezinho ampliado permitem o diagnóstico de doenças como a fenilcetonúria, que causa acúmulo de fenilalanina e, sem tratamento, leva ao comprometimento intelectual. A galactosemia, outro exemplo, impede o organismo de metabolizar a galactose, necessitando intervenção imediata com uma dieta restrita.

Malformações congênitas, como a espinha bífida e quadros sindrômicos, como a síndrome de Down, também podem ser diagnosticadas precocemente. Essa área é crucial para que o tratamento e manejo comecem o quanto antes, prevenindo danos maiores e possibilitando um desenvolvimento mais próximo do normal.

Genética reprodutiva

Essa especialidade auxilia casais que desejam ter filhos e têm histórico de doenças genéticas, infertilidade ou perdas gestacionais recorrentes. Testes pré-concepcionais e aconselhamento genético ajudam a identificar o risco de transmissão de condições genéticas, como fibrose cística e anemia falciforme, que afetam o sistema respiratório e a circulação, respectivamente.

Em casos de fertilização in vitro (FIV), o diagnóstico genético pré-implantacional (PGD) permite que embriões sejam selecionados para evitar a transmissão de condições graves, como a síndrome de Marfan e a distrofia muscular de Duchenne. A genética reprodutiva permite que os casais tenham uma escolha informada e segura sobre a gravidez, evitando ou minimizando riscos à saúde do futuro bebê. 

Cardiogenética


A cardiogenética é dedicada ao diagnóstico e manejo de doenças cardíacas hereditárias, como cardiomiopatias e síndromes de arritmia hereditária. Um exemplo importante é a cardiomiopatia hipertrófica, comumente associada a mutações nos genes MYBPC3 e MYH7, que aumenta o risco de insuficiência cardíaca e morte súbita em atletas.

Na síndrome de Brugada, uma alteração no gene SCN5A pode provocar arritmias fatais, sendo necessário monitoramento próximo e até o uso de desfibriladores implantáveis em pacientes de alto risco. O diagnóstico genético também é fundamental para identificar familiares que possam estar em risco, permitindo um acompanhamento preventivo e o manejo precoce de possíveis complicações.

Genética de doenças e síndromes raras

Esta área se concentra no diagnóstico e acompanhamento de doenças genéticas raras, muitas das quais têm manifestações complexas e multissistêmicas. Exemplos incluem a síndrome de Ehlers-Danlos, caracterizada por hiperextensibilidade da pele e articulações devido a mutações em genes relacionados ao colágeno, e a síndrome de 3M, associada ao gene OBSL1, que resulta em baixa estatura e displasia óssea.

A análise genética detalhada ajuda a definir o prognóstico e planejar intervenções específicas, além de oferecer aconselhamento genético para as famílias. O diagnóstico correto é crucial para evitar tratamentos inadequados e fornecer cuidados especializados que melhorem a qualidade de vida dos pacientes.

Genética na análise e interpretação de exames moleculares


A análise de exames moleculares, como o sequenciamento de nova geração (NGS), é essencial para o diagnóstico de uma ampla gama de condições genéticas. O geneticista interpreta os resultados para identificar variantes genéticas que possam estar ligadas a condições específicas.

Por exemplo, a identificação de variantes no gene CFTR confirma o diagnóstico de fibrose cística, enquanto alterações no gene GBA estão associadas à doença de Gaucher e aumentam o risco de Parkinson.

A interpretação genética também auxilia na definição de tratamentos personalizados em oncologia, como no uso de terapias-alvo para mutações em genes como EGFR e ALK em cânceres pulmonares. Essa área é fundamental para uma medicina mais precisa e personalizada, orientando decisões terapêuticas baseadas em evidências genéticas confiáveis.

Quando procurar um médico geneticista? 

Podemos buscar um médico geneticista em várias fases da vida — até mesmo antes de uma concepção e do nascimento de uma criança. Durante o pré-natal, é possível identificar possíveis riscos e reduzir as chances de uma doença genética no bebê.

Não há problema em buscar esse especialista de imediato, mas a consulta com um profissional da área genética normalmente é fruto de um encaminhamento por outro profissional.

Especialmente nos casos que envolvem doenças mais complexas, o médico geneticista frequentemente realiza um trabalho interdisciplinar junto a outras especialidades, como:

  • Pediatria;
  • Neurologia;
  • Oncologia;
  • Endocrinologia;
  • Ortopedia.

No caso de um câncer hereditário, por exemplo, o ideal é que exista esse trabalho conjunto de múltiplos profissionais, e o oncologista responsável pode encaminhar o paciente para um médico geneticista, que deve orientar a realização de testes genéticos.

Existem, ainda, casos em que a cura não é considerada uma possibilidade. Nessas situações, o médico geneticista trabalha juntamente com profissionais de outras especialidades para amenizar as comorbidades e garantir a maior qualidade de vida possível ao paciente.

Por fim, existem outros profissionais, para além da Medicina, que podem sugerir uma consulta com o médico geneticista. Entre eles estão:

  • fisioterapeutas;
  • terapeutas ocupacionais;
  • psicólogos;
  • fonoaudiólogos:
  • biólogos moleculares;
  • profissionais da citogenética.

Quais as principais indicações para consulta?

É indicado buscar um médico geneticista principalmente em casos que envolvem histórico ou suspeita familiar de doenças genéticas, bem como problemas para engravidar ou sustentar uma gravidez. Confira detalhes a seguir:

Histórico familiar de doenças genéticas

Quando há síndromes, distúrbios hereditários ou histórico de câncer na família, o geneticista pode avaliar o risco individual dos membros da família e fornecer aconselhamento sobre testes genéticos específicos.

Esses testes podem ajudar a identificar alterações genéticas associadas às condições familiares, permitindo um melhor entendimento do risco pessoal de desenvolver a doença.

Com base nos resultados, o profissional pode oferecer orientações personalizadas sobre medidas preventivas, monitoramento adequado e opções de tratamento, quando aplicável. Esse aconselhamento ajuda na tomada de decisões e pode contribuir para a prevenção ou detecção precoce de doenças genéticas.

Suspeita de condições genéticas

Se houver sinais ou sintomas que possam indicar uma doença genética, o profissional da Medicina Genética pode investigar, realizar diagnósticos e planejar o tratamento adequado.

Os sinais ou sintomas que podem indicar uma doença genética variam de acordo com a condição específica. Alguns exemplos incluem:

  • atraso no desenvolvimento motor ou cognitivo;
  • malformações congênitas, como defeitos cardíacos, anormalidades craniofaciais ou anomalias nos membros;
  • problemas de crescimento, como baixa estatura ou crescimento excessivo;
  • doenças metabólicas, como deficiências enzimáticas ou distúrbios do metabolismo;
  • alterações no padrão facial ou características físicas incomuns;
  • doenças hereditárias conhecidas na família, como distrofias musculares, fibrose cística ou doenças neurodegenerativas;
  • problemas de saúde recorrentes ou persistentes sem uma causa aparente;
  • histórico familiar de doenças genéticas ou consanguinidade;
  • suscetibilidade aumentada a certos tipos de câncer;
  • perda auditiva ou visual sem explicação aparente.

Avaliação de risco genético 

Em alguns casos, é recomendável procurar um geneticista para avaliar o risco genético de doenças frequentes, como problemas cardíacos, diabetes ou câncer.

É uma forma interessante de aplicar a Medicina Preventiva. Além disso, é fundamental estabelecer hábitos que reduzam o risco de ativação desses genes.

Casal com problemas de fertilidade

Pessoas com dificuldades para engravidar podem procurar um geneticista para identificar possíveis causas e desenvolver um plano de tratamento, fazendo o possível para tornar a concepção viável se esse for o desejo do casal.

Histórico de aborto espontâneo recorrente

Se houver repetidas perdas gestacionais, uma consulta com um geneticista pode ajudar a identificar fatores genéticos que possam estar contribuindo para esses casos.

Entre as possibilidades, estão anomalias cromossômicas, alterações genéticas hereditárias ou mutações genéticas que podem afetar a saúde de um feto. Por meio de avaliações genéticas e testes específicos, o geneticista pode investigar esses possíveis fatores e fornecer orientações para um planejamento reprodutivo mais seguro e informado.

Aconselhamento genético pré-natal

Durante o pré-natal, a consulta com um geneticista pode fornecer aconselhamento específico. Também há a possibilidade de realizar exames para identificar alterações genéticas, o que ajuda a planejar uma gestação mais segura, bem como estratégias para os primeiros anos de vida do bebê.

Como funcionam os testes genéticos de ancestralidade?

Os testes genéticos de ancestralidade são muito interessantes e também têm grande importância para nossa saúde. Através do estudo do nosso DNA, esses testes podem revelar informações sobre nossas origens e a linhagem de nossos antepassados até oito gerações atrás. Isso nos ajuda a conhecer nossa ancestralidade e parte da nossa história, além de fornecer informações relevantes para cuidar da nossa saúde.

Com um simples teste genético feito a partir da saliva, é possível descobrir informações sobre nossa predisposição a certas doenças, como o câncer. Além disso, podemos identificar os medicamentos mais adequados para o nosso organismo, sabendo quais serão mais eficazes e terão menos efeitos colaterais.

Esses testes genéticos de ancestralidade funcionam por meio de análises de variações no nosso DNA, conhecidas como marcadores genéticos, que são herdados de geração em geração.

Os laboratórios usam bancos de dados genéticos abrangentes e comparativos para fazer correspondências entre os marcadores genéticos do indivíduo testado e populações de referência ao redor do mundo. Isso permite determinar a probabilidade de termos ancestrais em diferentes regiões geográficas e étnicas.

É importante ressaltar que os testes genéticos de ancestralidade não são diagnósticos médicos. Eles fornecem informações sobre a ascendência genética, mas não são capazes de diagnosticar doenças específicas ou prever a ocorrência de problemas de saúde. Para avaliações médicas e informações relacionadas à saúde, é importante consultar um profissional qualificado, como um médico geneticista ou um médico especializado em genética clínica.

Quais os benefícios de um check-up com médico geneticista?

O acompanhamento com um especialista da área permite uma avaliação ampla e possibilita o diagnóstico precoce de várias condições. Saiba mais a seguir.

Avaliação abrangente

Durante a consulta, é possível realizar uma avaliação completa do histórico familiar, levando em consideração informações sobre doenças genéticas ou hereditárias presentes na família. Isso ajuda a identificar possíveis riscos e desenvolver estratégias de prevenção e cuidado.

Diagnóstico precoce 

Identificar problemas genéticos precocemente permite um planejamento mais tranquilo e aumenta as chances de uma vida com melhor qualidade. Com um diagnóstico precoce, é possível iniciar tratamentos e intervenções adequados o mais cedo possível.

Orientação sobre planejamento familiar

Para casais que estão tentando engravidar ou planejando ter filhos biológicos, a orientação genética é importante para compreender todos os detalhes e desenvolver estratégias. Isso auxilia na tomada de decisões informadas sobre a saúde da família.

Personalização

A Medicina de Precisão é uma abordagem que leva em conta a singularidade de cada indivíduo. Com o conhecimento dos seus genes, o geneticista pode conduzir uma estratégia personalizada de acordo com suas necessidades específicas. Cada pessoa é única, e o cuidado também deve ser.

Revisão técnica: João Gabriel Dias Pagliuso, médico da Economia da Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein.

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