Minoxidil: uso de remédio contra a calvície divide especialistas

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O medicamento Minoxidil, feito para cuidar da hipertensão arterial, tem sido usado para tratar calvície genética e divide especialistas. A Sociedade Brasileira de Tricologia desencoraja o uso do remédio, embora a Sociedade Brasileira de Dermatologia defenda “prescrição criteriosa” de baixas dosagens do medicamento.

O Minoxidil foi desenvolvido em 1970 especificamente para tratar a hipertensão arterial. No entanto, desde a década de 1980, ele também tem sido utilizado, em forma de loção, para tratar a alopecia androgenética, mais conhecida como calvície.

Recentemente, seu uso para crescimento capilar virou polêmica, motivada principalmente por uma reportagem do jornal “The New York Times” que destacou a prescrição de comprimidos de baixa dosagem por dermatologistas americanos.

Por que o uso do Minoxidil tem dividido opiniões?

Essa discussão envolve médicos que defendem o uso controlado do Minoxidil via oral em baixa dosagem e, também, aqueles que o contraindicam por conta dos seus possíveis efeitos colaterais.

Além disso, a popularização do medicamento nas redes sociais, onde suas qualidades são divulgadas sem critério médico e muitas vezes com dosagens inadequadas, aumenta a temperatura do debate.

A Sociedade Brasileira de Tricologia (SBTri), que reúne especialistas de diversas áreas da medicina, contraindicou todo tipo de uso do Minoxidil oral para a calvície, em comunicado oficial divulgado em setembro.

Já a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) defendeu que o Minoxidil oral pode, sim, “ser indicado em pacientes selecionados com alopecia”. A entidade disse ainda que “seu uso criterioso, isolado ou associado a outras abordagens, ocorre por indicação médica” em nota publicada em outubro.

No entanto, as duas entidades concordam sobre os riscos da automedicação e a importância de acompanhamento médico para o tratamento, já que o Minoxidil é um medicamento e, como tal, pode ter efeitos colaterais.

Ausência de prescrição médica

“Nós somos contra o uso indiscriminado do Minoxidil, comprar na farmácia sem acompanhamento, comprar porque viu no Instagram, sem orientação. Isso a gente é supercontra, porque existem efeitos colaterais e você precisa ter um médico ao lado”, afirma Fabiane Mulinari Brenner, coordenadora do departamento de cabelo da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

O dermatologista Beni Grinblat, do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que o uso do Minoxidil oral para tratamento de alopecia androgenética é bastante difundido entre os dermatologistas brasileiros.

“De uns anos para cá começaram a aparecer estudos sobre o uso do Minoxidil via oral e aí vimos que, com dosagens baixas, ele não tinha o efeito de baixar a pressão, mas mantinha o efeito benéfico no tratamento da calvície. Eu prescrevo com frequência para os meus pacientes”, explica Grinblat.

Tratamento usando o Minoxidil oral

Pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o médico Paulo Müller Ramos estuda os efeitos do Minoxidil oral no tratamento da calvície desde 2016.

Ele explica que a droga é prescrita especialmente para casos de alopecia androgenética, conhecida popularmente como calvície genética. Mas, o remédio também pode ser usado como coadjuvante no tratamento da queda de cabelo motivada por outros fatores, como Covid-19 ou cirurgias invasivas.

“Um paciente com queda capilar causada por anemia ou alterações de tireoide, por exemplo, até poderia utilizar [o Minoxidil] como coadjuvante. Mas, em alguns casos, como na queda capilar por conta da Covid-19, essa queda costuma se reverter sozinha, e não há necessidade de medicamentos”, diz Müller.

Especialistas alertam sobre efeitos colaterais

No entanto, a prescrição encontra forte resistência de alguns profissionais, que destacam os possíveis efeitos colaterais da droga.

É o caso do médico Luciano Barsanti, presidente da Sociedade Brasileira de Tricologia, que publicou uma
nota alertando que o medicamento não tem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no tratamento de calvície.

“Essas notícias recentes, como a reportagem do New York Times, minimizam as reações adversas graves e comuns desse medicamento via oral, porque ele é um hipotensor extremamente potente. Esse medicamento tem efeitos adversos com muita frequência, porque cada indivíduo tem uma sensibilidade diferente a um fármaco”, afirma Barsanti.

Os riscos, no entanto, estão relacionados principalmente ao uso do medicamento em alta dosagem, como a que era usada no tratamento de hipertensão antigamente, defende Fabiane Mulinari Brenner, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

A dermatologista destaca que o produto prescrito atualmente nos consultórios é diferente do que tem a bula analisada pela Anvisa para o tratamento de pressão alta.

“O [medicamento] que se usa atualmente tem o potencial de provocar todos os efeitos colaterais da dosagem mais alta, até porque alguns pacientes podem ser mais sensíveis, mas os efeitos são proporcionais à dosagem. A chance de eles surgirem é muito menor, e eles são menos intensos conforme você reduz a dose”, afirma Brenner.

O Loniten, o Minoxidil da Pfizer, comercializado no Brasil até 2010, é usado no tratamento de hipertensão. Ele era vendido em comprimidos de 10 mg, e segundo a Anvisa, não é indicado para tratamento de alopecia.

Já as doses indicadas por dermatologistas para o tratamento de calvície atualmente são feitas em
farmácias de manipulação e variam de 0,25 mg a 5 mg diárias.

Evidências científicas e riscos

A lista de efeitos colaterais do Minoxidil assusta: uma vez que o remédio promove a dilatação dos vasos sanguíneos, os efeitos adversos podem atingir o coração. Os mais graves são a taquicardia, o qual é o aumento da frequência cardíaca, e a pericardite, uma inflamação da membrana que envolve o coração.

No entanto, a reação mais comum, é a hipertricose, nome científico para o crescimento exagerado de pelos por todo o corpo: cerca de 10% a 15% dos pacientes que fazem uso do Minoxidil via oral relatam esse sintoma. Outra reação frequente é o inchaço nas pernas ou no rosto.

O especialista Luciano Barsanti, da SBTri, relata que a maioria dos pacientes que chegam em seu consultório trazem efeitos colaterais do Minoxidil.

“Nos pacientes que eu atendo, 90% dos que vêm tomando Minoxidil têm efeitos adversos. Os outros 10% não relatam efeitos colaterais, mas muitos não necessariamente relacionam [o que estão sentindo] com o medicamento”, explica o médico.

Em nota, a SBTri aconselha portadores da alopecia a procurarem “médicos e tricologistas que utilizem métodos não-invasivos para o tratamento”, e cita terapias como eletroestimulação e laser de baixo comprimento.

Já a médica Fabiane Brenner, da SBD, destaca que as terapias realizadas em consultório não possuem evidências científicas tão robustas, e lembra que a calvície genética é uma doença crônica que depende de tratamento contínuo.

“O guia de tratamento da calvície é baseado principalmente no Minoxidil, especialmente de uso tópico, no transplante capilar e tratamento hormonal. É o que tem medicina baseada em evidências. Nos últimos 10 anos surgiram alguns tratamentos que a gente faz no consultório, mas esses deveriam ser tratamentos de exclusão, deveriam ser a última alternativa”, explica.

O dermatologista Beni Grinblat também avalia que mesmo com os possíveis efeitos colaterais, o remédio é seguro e pode ser uma boa alternativa para pacientes com calvície. Inclusive, ele destaca que os efeitos colaterais são reversíveis, e que o acompanhamento médico garante que eles não afetem o paciente por um longo período.

“A gente tem que orientar a população que ele [Minoxidil] é uma opção no tratamento, mas claro que sempre com um diagnóstico correto, com acompanhamento médico, e aí uma avaliação do uso tópico ou oral. A gente nunca pode estimular a automedicação”, completa Grimblat.

Como o Minoxidil age no corpo humano

Apesar de estudos analisarem a ação do Minoxidil no tratamento de calvície desde os anos 1980, ainda não está claro como o medicamento promove o crescimento capilar.

Inicialmente, as pesquisas científicas apontavam a vasodilatação promovida pelo remédio como seu principal mecanismo de ação. Sendo assim, com o aumento da circulação nos vasos sanguíneos do couro cabeludo, os folículos capilares, que são as estruturas onde o cabelo nasce, receberiam mais nutrientes, o que propiciaria seu crescimento.

No entanto, estudos recentes sugerem que o Minoxidil tem uma ação direta no folículo, e que a vasodilatação não é o mais importante recurso do medicamento no tratamento de calvície.

“Hoje em dia, não acreditamos que esse seja o principal mecanismo. O que observamos é que há uma modificação bioquímica no folículo que faz com que o cabelo cresça por mais tempo e fique mais grosso com o uso do medicamento”, explica Brenner, da SBD.

Outro efeito da droga no couro cabeludo é o prolongamento da fase ativa do folículo capilar. Com a idade, a fase de crescimento do cabelo fica mais curta. Quando o pelo entra em momento de repouso cedo demais, pode ocorrer o enfraquecimento e a queda de cabelo excessiva. O uso do Minoxidil prolonga o período no qual o folículo está ativo.

“A gente sabe que o Minoxidil oral aumenta a contagem de fios, a gente sabe que ele aumenta a espessura do fio, e a gente também sabe que ele prolonga a fase de crescimento do cabelo, ou seja, a fase ativa do folículo. Então ele traz vários benefícios. Agora, como ele traz esse benefício, qual é mecanismo? Isso não sabemos com certeza”, completa Müller, da Unesp.

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