O autocuidado é o caminho para prevenir doenças e viver mais.
Previdência privada, títulos de capitalização e afins são estratégias usadas por muita gente para garantir um dinheiro extra quando o cinto aperta ou para se aposentar com tranquilidade. Mas o quanto você tem investido na sua poupança de saúde? Não é nenhum serviço bancário. Trata-se da incorporação de hábitos que podem prevenir uma série de problemas e garantir uma economia com gastos médicos no futuro. Isso pode ser resumido em uma palavra: autocuidado.
“As doenças que mais matam hoje são as cardiovasculares e o câncer”, explica o cardiologista Marcelo Katz, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. “Existem fatores de risco para várias situações relacionadas a elas”, continua Katz, que é cardiologista e pesquisador na área de saúde comportamental. “Se fossem controlados, diminuiríamos muito a probabilidade de esses e outros males ocorrerem.”
A mudança no estilo de vida é preponderante nessa equação. “Só para ter uma ideia, se uma pessoa adotasse hábitos de vida saudáveis, mantendo os fatores de risco em níveis ótimos, reduziria o risco de infarto em torno de 80%”, revela Katz. Daí por que se martela tanto para que a gente pratique uma atividade física com regularidade, pare de fumar, no caso dos tabagistas, controle o peso e aprenda a lidar melhor com o estresse. “É um investimento de longo prazo. As pessoas se preocupam em economizar, planejar sua aposentadoria, mas se esquecem de que precisam também de uma poupança de saúde”, diz o especialista.
Ela pode ser iniciada em qualquer idade, mas, claro, quanto mais cedo, melhor. “Sempre é hora de dar início a ela. Estudos mostram, por exemplo, que um indivíduo de 60 anos que começa a fazer uma atividade física vai viver mais do que um da mesma idade que é sedentário”, diz Katz. “Nossa vida e nossa saúde não são modulares”, prossegue. Segundo ele, as pessoas tendem a achar que o estado do organismo é um aos 20, 30, 40, sem interligação entre as décadas vividas.
O que está longe de ser verdade. A atitude mais usual é, na juventude, focar em demasia no trabalho ou na família, por exemplo. “Nesse cenário, o autocuidado fica em quarto, quinto, sexto lugar na lista de prioridades.” Em muitos casos, a consciência de que precisamos ter uma compaixão com o próprio corpo só vem à tona depois de que um evento inesperado e ruim acontece: um problema de saúde, seja conosco ou com alguém conhecido. “Que bom seria se tivéssemos no nosso mindset um olhar para nós mesmos, de que precisamos nos priorizar”, afirma o cardiologista do Einstein.
Para introduzir esse mindset, é necessário uma série de intervenções, segundo algumas teorias comportamentais. De acordo com Katz, uma delas, intitulada modelo de crença em saúde, preconiza que para um indivíduo mudar o estilo de vida, ele tem de perceber que está em risco no panorama em que se encontra. “Um profissional de saúde precisa dizer para um sedentário que a falta de atividade física aumenta a probabilidade de infarto, AVC e câncer e que o exercício físico melhora esse prognóstico”, fala Katz. Informação sobre saúde é fundamental, porém não é suficiente. A transformação do estilo de vida não é algo que se produz em um passe de mágica. No meio do caminho, há muitas barreiras.
Aí vem de novo a desculpa de que a empresa está exigindo além da conta, sem falar em outras demandas cotidianas. Tem também a clássica resolução de fim de ano, com objetivos como ficar em dia com a balança para o verão seguinte. Mas são metas que acabam sendo adiadas. “Você prefere não mudar porque é jovem e sabe que o benefício do estilo de vida saudável está lá na frente, enquanto a barreira para mudança é hoje. E se nada de ruim aconteceu até agora, dificilmente vai ocorrer: é um viés otimista que o ser humano tem”, acrescenta Katz. “Otimismo é bom, mas é legal ser realista também.”
Zona de conforto
O economista americano Richard Thaler, que ganhou o Nobel de economia em 2017, estuda economia comportamental. “A saúde de alguma maneira está muito relacionada à essa área”, conta Marcelo Katz. Segundo ele, muitos hábitos que temos em relação ao nosso bem-estar são parecidos com os de consumo. “Thaler fala de algo chamado status quo bias. O ser humano não gosta de mudança, se acostuma com a zona de conforto. E o autocuidado dá trabalho”, explica. “Uma coisa que ajuda as pessoas a mudar é discutir a fundo aquelas barreiras, auxiliá-las a suplantá-las e mostrar que, embora o benefício venha lá no futuro, ele se inicia agora. A poupança da saúde deve começar desde já. Quanto mais cedo poupo, mais rendimento vou ter, como em qualquer investimento.”
Para sair da zona de conforto, as modificações no dia a dia não precisam ser grandes, muito menos drásticas. “Estou propondo qualquer pequena mudança. Se a pessoa faz zero atividade física hoje e começa a praticar um pouquinho, é muito mais do que ela realizava no passado”, diz Katz. “São centavos de saúde. Você não precisa poupar milhares.”
É válido descer um pouco antes do seu ponto, seja do ônibus ou do táxi. No trabalho, lembrar-se de não ficar tanto tempo sentado, levantar e dar umas voltas. Não exagerar no sal ou nas frituras. Colorir o prato com vegetais. Em vez de encher a garrafa de água e colocar na mesa do escritório, ir beber na copa. Reduzir o consumo de refrigerante – água é mais barato. “Se você faz nem que seja o mínimo por dia, em 10 anos já tem muito”, revela o especialista.
Cercar-se de pessoas que possam nos dar uma mão nesse processo é outro ponto fundamental, inclusive para a incorporação do novo comportamento. “O paciente nunca deve estar ou se sentir sozinho. É um momento em que a pessoa está muito vulnerável. Mesmo que não esteja internada, ela pode se sentir assim”, explica Marcelo Katz. “Quando falo em suplantar barreiras, sempre envolvo um grupo: família, amigos, uma rede de suporte.” Ele complementa: “Existe uma teoria, chamada cognitivo-social, que fala disso. As pessoas mudam segundo suas próprias experiências e de acordo com quem está à sua volta”. Grupos que fornecem apoio a alcoólatras e para quem quer emagrecer são exemplos.
Nesse último caso, esses grupos dão informações de saúde, explicam quais alimentos são mais saudáveis e os benefícios de perder o excesso de peso. Oferecem ainda algumas ferramentas para dar cabo das barreiras, como aplicativos e tabelas. E o principal: toda semana a pessoa vai se checar e se comparar consigo mesmo. E mais do que isso: com os outros participantes. “Nós, seres humanos, gostamos de metas e executá-las. O grupo estimula o indivíduo. Quando ele vê que perdeu meio quilo e uma pessoa do lado perdeu dois, ele pensa: ‘eu também posso’”, conta Katz.
Entra em cena outra teoria estudada pelo cardiologista: a da autoeficácia. Em outras palavras, o quanto o indivíduo acha que é capaz de melhorar um comportamento e ultrapassar obstáculos para transformá-lo. Trata-se de algo que pode ser modulado para cima e para baixo, posição em que ninguém quer se situar. “Como se coloca uma pessoa nesse patamar mais elevado? Estabelecendo metas, pequenas e tangíveis, e, diante de seu cumprimento, dando feedback”, demonstra o cardiologista. Não é preciso voltar na reunião da semana seguinte do grupo antiobesidade 10 quilos mais magro. Estão de bom tamanho 200, 300 gramas a menos.
Katz ainda lembra que um grupo é muito importante para pessoas que precisam de um maior apoio econômico e social. “Uma senhora que trabalha 14 horas por dia, é separada, chega em casa e tem de cuidar dos filhos, como vai se exercitar?”, questiona. “Tem de contar com um amigo, uma amiga, alguém para ficar com as crianças, permitindo que possa dar uma caminhada de uns 10 minutos, tenha um momento só para ela.” Além disso, quem cultiva amizades, segundo Katz, apresenta um menor risco cardiovascular.
Estágios da mudança
A mudança de um padrão comportamental tem estágios. Entre dez fumantes, cada um está em uma fase diferente de aptidão para dar um basta no tabagismo. “Um está pré-contemplando parar de fumar, ou seja, isso ainda não passa pela sua cabeça. Outro já sabe que o cigarro faz mal, pensa em abandonar as tragadas, mas não marcou a data”, descreve o cardiologista. “Se já está planejando, está em um terceiro estágio: será que vou a um médico? Psiquiatra? Cardiologista? Pneumologista? Ou vou a um psicólogo? Vou pedir ajuda para um amigo que já parou.” O quarto é a ação. A pessoa parou de fumar. O quinto é o mais difícil: a manutenção.
O cigarro já não faz parte do dia a dia, mas como a pessoa vai estar daqui a três meses, enfrentando os desafios do emprego e de um relacionamento? Esse indivíduo pode voltar a ser tabagista. “Para conservar um hábito saudável, é importante ter sempre os feedbacks, preservar os reforços positivos, os contatos frequentes. Muitos programas antitabagismo se concentram no curto prazo, depois o indivíduo é deixado de lado”, comenta Katz.
“A mudança é um processo”, diz o cardiologista. “O indivíduo gasta 200 calorias na esteira. Ele não vai desmerecer esse sacrifício comendo um chocolate. Começa a dar valor ao exercício, ao hábito saudável e passa a comer melhor.” Katz continua: “Não é uma intervenção de medicina de alta complexidade. É algo que melhora a autoestima.” O paciente começa a se cuidar melhor, a gostar de si. “O dia a dia pode ter um impacto muito maior do que qualquer remédio mirabolante. O autocuidado não é um plus, é uma necessidade vital, assim como o ato de respirar.”
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Revisão técnica: Marcelo Katz, cardiologista do Hospital Israelita Brasileira Albert Einstein.