Para entender a medicina de precisão, podemos fazer uma analogia entre as aplicações da tecnologia ao funcionamento das máquinas e dos indivíduos. Assim como dispomos de ferramentas para vistoriar as engrenagens de um sistema com crescente precisão, há exames cada vez mais modernos para investigar a fundo individualidades do organismo humano. Alguns desses recursos vêm sendo utilizados na medicina de precisão, que tem como foco o atendimento personalizado com base nas características de cada paciente.
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Esse tema tem ganhado cada vez mais destaque no âmbito da saúde. E para tratarmos do assunto, contamos com a colaboração do Dr. Fernando Moura, co-coordenador médico do Centro de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein. Acompanhe!
O que é Medicina de Precisão?
A Medicina da Precisão, como reforça o Dr. Fernando Moura, é pautada em três pilares bem definidos. São eles:
- predição de doenças — ou seja, a capacidade de prever a sua probabilidade de desenvolvimento;
- prevenção de problemas de saúde;
- personalização no tratamento das enfermidades que já tenham se desenvolvido nos pacientes.
O ponto de partida para os três pilares é a análise do DNA, que torna possível a identificação de alterações genéticas que podem sugerir predisposição a determinadas doenças ou, ainda, auxiliar no diagnóstico e tratamento de condições pré-existentes.
Na predição, são identificados genes que podem ser preditivos de patologias diversas, com o DNA sendo analisado a partir da coleta de uma amostra de sangue. Para fins de prevenção de doenças, informações coletadas na análise ajudam a implementar estratégias específicas para evitar que o problema se desenvolva ou permitir que um diagnóstico precoce seja feito, nos casos em que a enfermidade esteja latente no organismo.
No que se refere ao tratamento de doenças, o diagnóstico das alterações moleculares permite personalizar as diretrizes de combate a algumas doenças (hematologia, oncologia, doenças raras), proporcionando melhores desfechos e menor toxicidade.
Quais os seus principais desdobramentos?
A Medicina de Precisão possui dois principais desdobramentos. O primeiro trata de pacientes que já se encontram enfermos, enquanto o segundo é voltado ao indivíduo saudável. Vamos conhecê-los?
Paciente sem qualquer diagnóstico
No caso de pacientes saudáveis, o rastreamento genômico serve para identificar possíveis alterações que podem vir a acontecer ou que já estão acontecendo, mas que ainda não haviam sido identificadas. Assim, a prevenção desses problemas e a possibilidade de um diagnóstico precoce são facilitadas. A descoberta de uma variante genética que aumenta o risco de câncer de mama permite, por exemplo, que seja adotada uma conduta personalizada e um acompanhamento preventivo diferente do usado na população em geral. Esse mapeamento possibilita, ainda, que seja montado um check-up preventivo específico, considerando a individualidade de cada organismo.
Paciente com algum diagnóstico
A medicina de precisão pode ajudar especialmente os pacientes que já lidam com algum diagnóstico. Ao analisar o DNA desse indivíduo, é possível traçar estratégias personalizadas para ele, respeitando não só os seus limites genéticos, mas também utilizando os dados como ponto de partida para tratamentos mais eficientes. Essa análise ajuda a guiar a escolha de tratamentos e, ainda, a verificar a eficácia ou contraindicações de determinados medicamentos.
Como ela pode revolucionar tratamentos?
Cada atendimento agrega novas informações e dados que vão aprimorando nosso conhecimento, explica o Dr. Fernando Moura.
Segundo o co-coordenador, a Medicina de Precisão promove o que pode ser chamado de “círculo virtuoso”, já que traz aos pacientes e ao sistema de saúde benefícios como:
- melhora do cuidado clínico, graças à obtenção de mais informações;
- economia na saúde, com a redução de testes e melhor eficácia de exames e tratamentos;
- redução do desperdício de recursos e insumos;
- criação de novos protocolos, além da revisão dos que já existem;
- melhora do diagnóstico e tratamento dos pacientes;
- possibilidade de diagnósticos mais precoces e, portanto, mais eficientes.
Ou seja, tanto o paciente a nível individual como a ciência médica de maneira generalizada são impactados. Afinal, a evolução da medicina se constrói a partir de evidências e dados, e é exatamente isso o que é trabalhado na Medicina de Precisão.
Quais áreas e doenças são mais impactadas atualmente?
A medicina da precisão beneficia o diagnóstico e tratamento de diversas doenças. Mas as que estão sendo estudadas com grande destaque no momento são:
- o câncer, especialmente em casos nos quais não há um rastreio inicial muito eficiente, como o de pâncreas e os linfomas;
- questões neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer e a Doença de Parkinson.
“A personalização do tratamento merece atenção especial na Medicina de Precisão. E este aspecto está mais avançado na oncologia e na hematologia. Quando fazemos a análise molecular da doença, encontramos o que podemos chamar de ‘sobrenome’ do câncer. Identifica mutações, fusões, instabilidades e, assim, conseguimos propor um tratamento individualizado. A dinâmica que chamamos de “one size fits all” [em tradução livre neste caso, “abordagem única”] dá lugar à abordagem personalizada”, detalha o especialista.
Qual o papel do Hospital Israelita Albert Einstein nesse campo?
Dentro do Hospital Israelita Albert Einstein, 50 Centros de Excelência em Medicina Personalizada (CEMP’s) estão em desenvolvimento. Eles reúnem especialistas de diversas áreas, com o objetivo de agregar precisão cada vez maior ao atendimento dos pacientes.
Contam, inclusive, com a participação de especialistas de áreas complementares à saúde, que colaboram com seu conhecimento para tornar o trabalho dos médicos, enfermeiros e demais profissionais ainda mais eficaz e preciso. Bons exemplos são os analistas, cientistas de dados e administradores, entre outros.
Com centros especializados em determinadas patologias, como é o câncer de pâncreas ou o Alzheimer, é possível otimizar ainda mais o rastreio e o tratamento de doenças que, até o presente momento, não têm prevenção ou tratamento tão assertivos. “Esses grupos discutem estratégias, aprimoramentos e guidelines para uniformizar e unificar o melhor tratamento possível para o paciente”, aprofunda Dr. Fernando Moura.
“Acabamos de criar um CEMP especializado em Alzheimer, que trará uma série de benefícios no sentido de identificar mais precocemente o paciente que vai desenvolver a doença no futuro. Temos novos exames que podem auxiliar nisso”, revela. E complementa: “São muitas as possibilidades da Medicina de Precisão. Temos, por exemplo, um ambulatório com geneticista dedicado a cuidar de pacientes com alto risco genético de câncer. Nestes casos, já foi identificada uma mutação nos pacientes indicando risco de desenvolver a doença, além de seu histórico familiar. Nesse ambulatório de alto risco, investigamos esses indivíduos saudáveis que querem estratificar seu risco ou que já têm alguma alteração genômica identificada para que sejam acompanhados”, conta.
E qual o cenário desse tipo de medicina no Brasil?
O Hospital Israelita Albert Einstein é pioneiro no segmento: há poucos centros especializados em medicina de precisão no Brasil. “Existem poucos centros especializados como os nossos CEMP’s, que se baseiam em diagnósticos de precisão e agregam tantos dados compilados com estruturas de softwares, capazes de aprimorar o cuidado clínico como um todo”, pontua.
A expectativa, no entanto, é que essa área ganhe cada vez mais relevância em nosso país, seguindo tendências mundiais do setor e melhorando, cada vez mais, a qualidade do atendimento de saúde prestado aos brasileiros. “O que chamamos hoje de Medicina de Precisão será, em alguns anos, simplesmente a Medicina”, prevê o entrevistado.
Em resumo, a medicina de precisão é uma área em expansão cujo objetivo é utilizar o mapeamento do DNA dos pacientes para facilitar a prevenção de doenças, diagnósticos precoces e tratamentos ainda mais eficazes e personalizados.
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Revisão técnica: Alexandre R. Marra, pesquisador do Instituo Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP) e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE).